As pombas também choram.

Os pombos também choram (ou lagrimas do Espírito).
Pela manhã eu voltando da Missa notei algo de errado. Os pombos, que nessa hora estariam perfilados nos fios de energia, estavam todos no chão, agitados, e de longe notei que discutiam exaltados.
Eu fiz amizades com eles tempos atrás quando comecei a dar-lhes algo de comer toda a manhã. Aprendi a arrulhar (a fala onomatopaica dos pombos) e converso com eles sem entrar em intimidades. Apenas o trivial: como vai, fulana esta doente, esperem um pouquinho, etc.
Mas naquela manhã, um pombo peitudo, metido a líder dizia: Ele nos abandonou. Não nos deu valor, logo nós que lhe demos notoriedade. As crianças paravam para olhar, os homens e velhos admiravam, e ele se exibia com o nosso show de cada dia.
Eu então parei e perguntei: O que houve? Ele respondeu, o pipoqueiro se mandou, foi embora.
Eu duvidei... Embora, ele já tivesse me avisado. Mas outro disse quem nos dará pipocas e amendoim? Então olhei em torno e de fato o seu Natal Caiado não estava com seu carrinho de doces e pipocas no local de sempre.
Estranhei... Será? Ele já tem oitenta e tantos anos. Mas o que mais me ofendeu foi à ingratidão dos pombos, que, na verdade mais estavam preocupados com a perda das guloseimas do que com a ausência do Caiado. Símbolos do Espírito também são egoístas como nós.
O líder dizia, somos símbolos do Espírito, fiéis e mansos, metódicos e monogâmicos, foi uma traição ele ter partido sem nos avisar.
Então eu vi bem amuadas duas pombinhas, muito tristes, que pareciam chorar. Perguntei para uma: O que você acha que aconteceu? Ela respondeu... Será que ele faleceu? Respondi não ele estará bem. A outra: Adoeceu? Retruquei... Creio que não, quem sabe arrumou outro ponto, ou outro serviço mais leve. Aqui ele passava o dia no sol e na chuva, e já não era menino.
Então a pombinha que tinha um pezinho deformado me disse: Foi ele que tirou o fio de nylon de meu pé, que havia me cortado e deformado os dedos. Estava há anos ali. A outra: eu comia na mão dele, eu sou a Marrom, como ele me chamava, as crianças adoravam me ver comendo na palma de sua mão, e ele gostava de minha presença, eu passava horas sobre o carrinho. A pombinha manca perguntou para a outra: Lembra quando aquele senhor veio reclamar para ele que não compraria mais doces, porque ele nos pegava na mão e depois servia pacotes de amendoim sem lavá-las? E nos chamou de ratos com asas; disse a outra completando... Lembro sim. Pois é, ele se ofendeu.... ele virou para o homem e disse: Olha lá velho safado onde você vai botar os dedos e a boca essa noite! Deixa de hipocrisia, a pomba é símbolo do Espírito, e é por isso que vocês a odeiam. Vocês a abandonaram, como fazem com os mendigos, e eles se tornam sujos, doentes, cheios de piolhos, e ai vocês os acham repugnantes. O mesmo vocês fizeram com as pombas... É verdade completou a outra, com as rações que ele nos dava todos os dias nós já estávamos ficando bonitas e nos recuperando, não é?. A outra continuou a contar: Eu prefiro as pombas com seus piolhos que a maldade de seus pensamentos, disse o seu Natal para o homem.
E olhando ternamente para mim disse a manca: veja o colorido de minhas penas... Eu devo essa beleza ao seu Natal.
Aquilo me emocionou, eu também já estava sentindo falta do velho, de suas estórias e histórias, de seu jeito alegre de ser. Embora eu soubesse se que ele não voltaria, pois havia iniciado um Brexó em um município vizinho. Então correu uma lágrima de meus olhos, e eu vi que as pombinhas também choravam baixinho. Compreendi então que o Espírito Santo também chora.
Prometi a elas que se encontrasse o Caiado lhes daria notícias. Elas arrulharam com alegria. Aos poucos todas se perfilaram nos fios, na verdade cheias de esperança que ele volte.
Todos estamos com saudades! A rua já não é a mesma.
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