Requião fala no Parlamento Sueco.
Requião escuta no Parlamento Sueco
discurso em poriuguês;
A
embaixadora Leda Camargo sugere que fale sobre minha experiência como
presidente da Representação Brasileira no Parlamento do Mercosul, o Parlasul. É
meu segundo mandato como senador da República do Brasil, e também pela segunda vez presido a
representação brasileira no bloco sul-americano.
Nesses dois anos presidindo a
Representação Brasileira, depois de inúmeras reuniões com participantes de
países membros ou associados, inclusive aqui na Europa, no âmbito da Eurolat, a
Assembléia Parlamentar Europa América Latina, consolidou-me uma convicção: fora
da unidade --e da simbiose—latino-americana não há salvação. Não há salvação
para o Brasil, não há salvação para a Argentina, o Uruguai, o Paraguai ou para a Venezuela. Não há salvação para o
nosso continente.
Não sei se
para a Suécia integrar a União Européia seja
tão vital assim. Para o Brasil, a
unidade sul-americana é uma questão de vida ou morte.
Paulo, o
apóstolo, a quem talvez se deva a invenção do cristianismo, dizia que fora da
Igreja não havia salvação, demarcando assim os limites para a boa ou a má
aventurança. O nosso destino --o paraíso ou a danação eterna—depende do
mesmo axioma.
Para nós
brasileiros, para os países e para o povo latino-americanos, fora da unidade continental
não há saída. Não haverá remissão desse
atraso tão antigo, dessa desigualdade
tão secular, da escuridão da miséria, da analfabetismo, da dependência, da
submissão cultural. Fora da unidade latino-americana não nos libertaremos de nossas elites, uma elite aferrada a sentimentos escravocratas,
encastelada em privilégios e submissa, servil aos interesses imperiais.
De qualquer forma, se não com a velocidade e a
premência desejadas, temos avançado, nesse sentido. A
entrada da Venezuela no bloco, por exemplo, deu-nos um forte alento. Com o seu PIB de 300
bilhões de dólares e carente de toda sorte de produtos, já que a velha
oligarquia que governou o país até dez anos atrás vivia de exportar petróleo e
não plantava um pé de alface sequer, a Venezuela torna-se um dos esteios do
Mercosul.
Com a adesão da
Venezuela, o Mercosul passa a contar com
uma população de 270 milhões de pessoas,
correspondente a 70 por cento da população da América do Sul, e abrange
72 por cento da área do continente. O PIB do bloco eleva-se a três trilhões e
300 bilhões de dólares, o equivalente a 83 por cento do PIB sul-americano.
Quer dizer,
temos uma magnífica base de lançamento, um excelente ponto de partida, e
esperamos ainda a adesão de outros países, como a Bolívia e o Equador.
Chamo a atenção
das senhoras e dos senhores para os dados que seguem, onde fica demonstrado o
peso do Mercosul para a economia brasileira.
No ano passado,
entre janeiro e novembro, as exportações brasileiras para a América Latina e o
Caribe somaram 46 bilhões e 400 milhões de dólares. Para os Estados Unidos,
nossas exportações somaram 45 bilhões e 800 milhões de dólares. Para a União
Européia, 45 bilhões e 260 milhões de dólares. Para a China, 40 bilhões e 250
milhões de dólares.
Quer dizer, os
valores das exportações brasileiras para
a América Latina e o Caribe já superam, comparativamente, os valores das exportações para a América do
Norte, Europa e China.
Mais ainda:
enquanto o valor da tonelada dos produtos exportados para os países de nosso
continente alcança entre mil e quatrocentos
e mil e setecentos dólares, o valor da tonelada exportada para a União
Européia cai para 500 dólares e, para a China,
alcança apenas 200 dólares. Nesse caso, são as commodities, basicamente
minério de ferro e soja, produtos simbólicos de nossa dependência.
Donde se
depreende que as exportações brasileiras para a América Latina e Caribe são
constituídas de produtos industrializados.
Já quanto às
nossas relações comerciais com a Suécia,
registre-se que nos últimos 20 anos temos acumulado um forte déficit. E anotem
essa informação simbólica, emblemática: nos últimos anos tem diminuído de forma
sistemática as nossas exportações de produtos industrializados para o país das
senhoras e dos senhores, enquanto aumentam fortemente as nossas exportações de
commodities. Logo, um déficit incorrigível.
Para
nós latino-americanos não há dúvida de quais sejam os nossos parceiros ideais.
No entanto, se vamos ancorar o nosso destino na América Latina, isso não quer
dizer a opção por uma política isolacionista. Foram-se os dias dos
falanstérios, das ilhas utópicas, dos muros e das cortinas.
Somos
parte do planeta Terra é nele que vivemos.
No entanto, queremos nos relacionar com o mundo,
especialmente com os países industrializados,
de forma altiva, soberana. Queremos conversar e negociar como países independentes
e não feitorias para o desfrute
imperial; não somos meros mercados ---fornecedores ou consumidores--- para o
proveito dos outros. Embora assim desejem que sejamos; e assim somos encarados:
e, mais das vezes, assim somos.
Agora mesmo, quando a crise financeira mundial
aperta os calos dos países do Norte, como os senhores nos olham, que olhar
dirigem ao Sul?
Nos vários encontros que tive nesses dois
últimos anos, aqui na Europa e na
América Latina, vi da parte dos países industrializados dois ardentes desejos:
exportar o desemprego e fazer bons negócios, quase nunca nada bons para nós, é claro.
É com tristeza e, às vezes, com desalento,
que vejo ainda viva a velha idéia de que o mundo é dos mais fortes. E dos mais
espertos. Uma velha idéia que o neoliberalismo, que o Consenso de Washington,
que as idiotices do “fim da história” e da morte das ideologias tornou bandeira
nessas últimas tristes décadas.
Um
Mercosul forte, coeso, solidário é a nossa defesa contra as tentações coloniais
do Norte, volta e meia revivida, especialmente em situações de crise. Um Mercosul
forte, desenvolvido e justo é uma contribuição essencial, vital para um mundo menos
desigual, menos cruel, mais humano e pacífico.
Não se trata de uma pregação moral. Longe de
mim qualquer pretensão de “civilizar”,
de dar lições de ética ou de boas maneiras ao capitalismo financeiro global, ao
imperialismo econômico, aos especuladores e aos jogadores das bolsas. Mas, um
planeta desequilibrado, com essa abissal, monstruosa distância entre o Norte e
o Sul é um planeta sem futuro.
Vou fornecer mais alguns números para
fortificar minha argumentação sobre as tentações de dominação nunca contidas,
jamais refreadas dos países industrializados.
São dados sobre a
desnacionalização da economia brasileira.
Segundo a tão
conhecida consultoria KPMG, de 2004 a 2012, cerca de 1.300 empresas brasileiras
passaram ao controle de empresas estrangeiras, certamente algumas suecas. O
processo de desnacionalização da economia brasileira acelera-se a cada ano.
E, agora, o
ataque não vem apenas do Norte. Eis que
a China surge no palco. Segundo um estudo do banco Credit Suisse, divulgado
neste dia primeiro de março, a China foi o país que mais investiu em fusões e
aquisições no Brasil, nos últimos anos, à frente mesmo de um tradicionalíssimo
comprador de empresa brasileiras, os
Estados Unidos. Por enquanto, o interesse chinês concentra-se nas commodities, petróleo, gás natural, minério de ferro.
Estados Unidos. Por enquanto, o interesse chinês concentra-se nas commodities, petróleo, gás natural, minério de ferro.
Quanto mais a
economia brasileira desnacionaliza-se, com as aquisições e as fusões, mais cresce a nossa sangria
financeira, com o aumento da remessa dos lucros para o exterior, para as
matrizes. Praticamente o Brasil não opõe restrições a que se remetam os lucros.
Pelo contrário, a pretexto de atrair investimentos, criam-se facilidades para o
fluxo.
Nos últimos oito
anos, as remessas de lucro feitas pelas multinacionais em operação no Brasil
somaram a apreciável quantia de 404 bilhões de dólares. Entre 2004 e 2011, as
remessas foram 152 por cento superiores ao saldo comercial que o Brasil obteve
no mês mo período!
No início deste
2013, vimos a Telefônica Brasil fazer uma remessa de centenas de milhões de
euros para a sede na Espanha, para socorrer a combalida matriz, enquanto nós os
brasileiros continuamos a amargar seguramente o pior e o mais caro serviço de
telefonia sob a face da terra.
Que fique claro.
Não estou aqui satanizando, estigmatizando, amaldiçoando os investimentos
estrangeiros. Longe de mim a xenofobia, o isolacionismo. Contudo, esses
sentimentos são perniciosos quanto o saque sem limites dos recursos, a sangria desatada das finanças dos
países periféricos.
A formação de um
bloco sul-americano forte e unido certamente
dará aos nossos países condições
de negociar esses investimentos em termos que favoreçam o nosso desenvolvimento
e o bem-estar de nossos povos.
Quer dizer:
apenas a unidade latino-americana nos dará forças para negociar altaneiramente,
com soberania com os países industrializados.
Acordos multilaterais que sejam satisfatórios para ambas as partes.
Qual é o oposto da integração continental, da
unidade latino-americana?
O contrário são os acordos bilaterais, o pacto
entre o cordeiro e o lobo, celebrados segundo o ponto de vista do lobo.
Para nós
brasileiros, e também para a nossa antiga metrópole, Portugal, o avô de todos os acordos
bilaterais, o ponto de partida para as nossas desventuras, de um lado e do
outro do Atlântico, é o Tratado de Methuen, celebrado entre Lisboa e Londres,
nos primeiros anos do século 18. Foi aí que ancoramos o navio do atraso e
perdemos o passo na história.
O Tratado de
Methuen, também conhecido o Tradado dos Panos e Vinhos, não é muito diverso do que os países
industrializados (e agora também os chineses) nos propõem com frequência. Pelo
acordo, Portugal se obrigava, por todo o sempre, a fornecer vinho à Inglaterra e esta, também por todo o sempre, a exportar
tecidos e produtos industrializados para Portugal.
Como era de
se esperar, em breve tempo, a diferença de preços entre os produtos
industrializados e os vinhos acarretou um forte déficit à balança portuguesa.
Pior ainda: a incipiente, modesta indústria portuguesa afundou-se com a
importação do produto acabado da Inglaterra.
É aí que entra em cena o ouro brasileiro. O desequilíbrio na balança é coberto pelo metal extraído na colônia que vai, sem escalas, irrigar o tesouro inglês e prover de recursos o desenvolvimento britânico, e a consequente revolução industrial.
O século inaugurado pelo
Tratado de Methuen encerra-se com o esgotamento das minas brasileiras. Por
quase cem anos, o nosso ouro cobriu o hiato entre produzir e exportar vinhos e
importar máquinas e produtos acabados. Quase um século depois do tratado temos,
então, de um lado, Portugal quebrado, industrialmente pouco desenvolvido,
produção agrícola limitada.
Doutra face, revela-se um
Brasil empobrecido, depenado de suas riquezas, com as atividades industriais proibidas,
a fim de se proteger o produto inglês.
Em contraposição, quando a
Inglaterra tenta impor aos Estados Unidos essa mesma relação de subordinação, a
reação norte-americana resulta na independência do país. E, livre do tacão
colonial, os Estados Unidos abrem o seu próprio caminho para se desenvolver.
Vemos, então, o primeiro
secretário do Tesouro norte-americano, o guerrilheiro e general das batalhas da
Independência, Alexander Hamilton, elaborar, propor e fazer aprovar no
Congresso o “Tratado das Manufaturas”, a pedra angular, a pedra fundamental do
desenvolvimento dos Estados Unidos.
A Companhia das Índias,
a poderosíssima transnacional colonial da época, que tinha entre seus
funcionários Adam Smith, certamente o mais importante teórico do liberalismo
econômico, também queria transformar os Estados Unidos em simples produtor de
matérias-primas e consumidor de produtos industrializados ingleses.
Os norte-americanos
reagiram com o “Tratado das Manufaturas”, criando um banco nacional,
estatizando o crédito e direcionando-o à produção, fixando tarifas
protecionistas para os seus produtos, estabelecendo subsídios à agricultura,
criando desde já um programa de desenvolvimento tecnológico.
O resultado disso tudo está
à vista de quem queira ver. E ainda temos que suportar as mais idiotas,
mentecaptas e até mesmo racistas teorias quando se compara o desenvolvimento
brasileiro com o desenvolvimento norte-americano.
Marx e Engels,
recentemente ressuscitados, depois de mais uma crise financeira global, também examinam a opção norte-americana para
desenvolvimento econômico. Na primeira metade do século 19, dizia Engels: “Os
norte-americanos preferem viajar com bilhetes expressos para chegar antes ao
seu destino”.
E qual é esse “bilhete
expresso” que, de fato, levou os Estados Unidos ao seu destino?
O “Tratado das
Manufaturas”, de Alexander Hamilton.
Já Marx, em uma passagem
de “O Capital”, afirmava: “O sistema protecionista é somente um meio para criar
em um país a grande indústria. Por isso, vemos que naqueles países em que a
burguesia começa a se impor como classe (…) grandes esforços para implantar
tarifas protetoras”.
E completa :“O sistema protecionista foi um
meio artificial de fabricar fabricantes (….) capitalizar os meios de
produção(…) e abreviar o trânsito do antigo ao moderno regime de produção”.
“Tratado das Manufaturas” e
“Tratado de Methuen”, essa a distância entre o desenvolvimento norte-americano
e o desenvolvimento brasileiro.
Ah, sim! Para arrematar
esse século perdido, o século 18, o Brasil inaugurou o século 19 proclamando a com a “abertura dos portos”…
para os produtos industrializados ingleses, é claro.
Como afirmei há pouco, o Tratado de Methuen, por suas implicações
perniciosas deletérias, é o avô de todos os tratados bilaterais que amarram,
travam e manietam o desenvolvimento de países não industrializados ou pouco
industrializados.
Afinal, quem, ganha com um
tratado que opõe países produtores de matérias-primas, de commodities, e as
avançadíssimas economias industriais e seus ávidos, nunca saciados
conglomerados financeiros?
Com a crise econômica
global, é inevitável que os países centrais busquem exportar parte da encrenca
em que se atolam para a periferia do mundo, para o sul do planeta.
O que pretende o
Norte?
Em minhas andanças pelo
mundo, nesses dois últimos anos, entendo que basicamente interessa ao
Norte, basicamente, três coisas: que
abramos às escâncaras nossas portas aos seus produtos industrializados e que
lhe forneçamos produtos primários, commodities, a preços módicos; que
importemos sua mão-de-obra desempregada; e que acolhamos com toda a
generosidade os seus investimentos, sem restrições às remessas de lucros, à
importação de componentes, à maquiagem tecnológica.
Não seria isso uma
variação do Tratado de Methuen?
E, assim sendo, não nos serve. Não nos serviu no passado, não
serve no presente e compromete ainda mais o nosso futuro.
O que nos serve é,
primeiramente, a integração sul-americana e, assim fortalecidos, estabelecer
com os países industrializados relações fraternas, negócios transparentes,
baseados na reciprocidade e no respeito. Sem espertezas, sem a visão do lobo, sem as razões do lobo.
Por fim, não uma queixa,
mas uma constatação. Pelo que tenho lido nos jornais e ouvido em conversas de
bastidores, soa-me que não andam lá muito populares os governantes latino-americanos,
aqui por essas bandas européias.
Deixando de lado a ignomínia
praticada pelo “El País”, vejo um alto grau de incompreensão pelo o que
acontece em nosso continente.
A ascensão ao comando dos nossos países de um
operário metalúrgico, de um bispo adepto da Teologia da Libertação, de um
índio, de uma ex-guerrilheira, de um economista que não se veste como
economista e nem pensa como os “Chicago’boys” , de um militar atípico nessa
Latino América acostumada a aliança férrea entre a oligarquia e os quartéis,
talvez essa nova América Latina não agrade aos paladares mais sensíveis.
Talvez, a Europa preferisse
os sociólogos, os economistas doutorados em Harvard, os rebentos das árvore genealógica que
remontam aos tempos coloniais. Enfim, gente de fino trato, a nossa versão
latino-americana para “branco, anglo-saxão e protestante”.
Se os deuses forem compassivos como os nossos
povos, isso não há de acontecer. Os índios, os mulatos, os padres que não
perderam o contato com o seu povo, as mulheres que desafiaram as ditaduras e os
preconceitos, os operários que comprovaram a correção do axioma de Gramsci
continuarão a se impor na cena latino-americana.
Para escarnecê-los, desprestigiá-los, combatê-los,
classificam-nos de “populistas” , “nacional-populistas”, “demagogos” .
Dizem-nos ignorantes das ciências econômicas, transgressores das regras pétreas
da macroeconomia.
Benditos sejam todos eles, que é santa a ignorância deles. Benditos
sejam os Chaves, os Rafael Caldeira, os Evo Morales, os Lula, as Dilma, os Kirchners.
Bendito sejam aqueles que franquearam aos nossos povos, depois de quatro
séculos de fome, miséria e desnutrição, o incrível privilégio de fazer três
refeições por dia.
Três
refeições por dia! Que fantástica conquista!
Com
muita frequência, divirjo deles, critico-os. Mas isso é assunto interno, para
discutir entre nós latino-americanos.
Aqui,
hoje, quero louvá-los, enaltecê-los por terem tornado possível o acesso de
dezenas de milhões de mulheres, homens,
idosos e crianças ao maravilhoso mundo das três refeições por dia
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