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quarta-feira, 6 de março de 2013

Interessantissimo. (Russia Cristã no segredo e Fatima)

Texto enviado pela Leitora Leonora Garan (  advogada ucraino-brasileira). No momento vamos esquecer a UDN de Corção, os problemas dos Lefrevistas com o Papa, Dom Mayer ( meu mestre em teologia através do Livro " Catolicismo Autêntico") para nos concentrar na qualidade histórica do texto e as conclusões de Dom Lourenço Fleichmann.


BOLETIM INFORMATIVO DA SOCIEDADE UCRANIANA DO BRASIL
EDIÇÃO Nº 459 (3904) MARÇO 2013
JORNAL “O LAVRADOR”
            
Páginas 2 a 6

Por que a Rússia?
(Parte final)

Por: Dom Lourenço Fleichman – OSB

Dom Lourenço Fleichman nasceu em 10 de agosto de 1958, no Rio de Janeiro. Seu pai, Julio Fleichman (1928-2005), era descendente de uma família de judeus ucranianos, de Podilia (Поділля) , tendo se convertido ao catolicismo em 1952, por influência direta do escritor Gustavo Corção, de quem foi colaborador e com quem fundou o movimento Permanência. Dom Lourenço fez seus estudos secundários no Colégio São Bento, no Rio. Interrompeu a faculdade de Geologia para ingressar no Mosteiro Santa Madalena, de beneditinos tradicionais do sul da França, onde fez sua formação monástica. Foi ordenado padre em 1985, por Mons. Marcel Lefebvre. Vive na Capela Nossa Senhora da Conceição, em Niterói (RJ), é o atual presidente do Centro Cultural Editora Permanência.
. . .


“Antes de prosseguirmos é necessário um parêntese: a Ucrânia


Os historiadores mostram, com certa freqüência, que o surgimento dessa nova Rússia, ainda sob o jugo mongol, é um fenômeno de ruptura com o passado. A Rússia de Kiev, que conhecemos sob a denominação de Rus, fora conduzida ao cisma e à separação da Igreja, para depois ser destruída pelos invasores. A retomada de certo vigor político no norte dará origem a uma nova Rússia, que despreza a Rus. Pode parecer um detalhe, mas os dois termos não se confundem. Em um artigo importante escrito na Revista Itinéraires em 1988, Hervé de Saint-Méen mostra que a Rus, como era chamada a nação fundada por Rurik, Oleg e Olga, e convertida ao catolicismo por São Vladimir, não é a mesma Rússia fundada por Ivan, no início do século XIV. Segundo o autor, o termo Rus, em russo, se diz Roussia, e a nova nação se diz Rossia. “O fato é que a Roussia e a Rossia representam duas épocas históricas diferentes. Os dois termos designam dois países diferentes, pertencem à história de duas nações diferentes... Até o século XI, o termo Roussia não se aplicava nem aos habitantes de Novgorod (norte), nem aos habitantes de Vladimir- Suzdal”.
O artigo em questão tem por objetivo mostrar que a Rússia católica, a Rússia de Kiev, permaneceu no que hoje é a Ucrânia. Este dado é muito importante para nós, visto que a Ucrânia conseguiu atravessar o domínio comunista e recuperar sua condição de país independente após a queda da União Soviética. Apesar de o cisma ortodoxo ser predominante, o catolicismo está presente na Ucrânia, sofrendo menos perseguição do que na Rússia.
O fato é que a Rússia fundada por Ivan, neto de Alexandr Névski, em Moscou, não é mais a Rus de Kiev. Apesar disso, ela também fará seu caminho religioso, graças à chegada de um monge — Sérgio, canonizado pela Igreja Ortodoxa — que se instalou nos bosques próximos a Moscou e teve grande importância na recuperação da independência da Rússia diante dos mongóis. Ele construiu a famosa igreja da Santíssima Trindade, que receberia mais tarde o afresco de Andrei Rublev. A Igreja Ortodoxa Russa considera São Sérgio padroeiro da Rússia.
   


A queda de Constantinopla


Em 1453 aconteceu o grande desastre da tomada de Constantinopla pelos turcos otomanos. Era o fim do sonho da “Segunda Roma”. Antes da queda, houve uma tentativa de aproximação de Bizâncio com Roma: o imperador João VIII Paleólogo e o patriarca compreenderam tarde demais que um retorno à obediência a Roma poderia salvar o Império Bizantino. Apesar das desconfianças do clero, Bizâncio reatou com Roma no Concílio de Ferrara-Florença (1438-1439).
Mas já era tarde. O imperador de Bizâncio, Constantino XI Paleólogo, filho de João VIII, morreu com as armas na mão, em batalha contra os turcos que tomaram Constantinopla. Não deixara filhos, tendo apenas dois sobrinhos e uma sobrinha, chamada Zoé. Os três foram para Roma, acolhidos pelo Papa Pio II. Veremos adiante que Zoé será pivô de uma situação política extremamente grave, quando o papa aceitar que ela se case com Ivan III.
A Igreja Católica esforçara-se para pôr fim ao grande cisma. No Concílio de Ferrara-Florença destacaram-se grandes bispos, como Basílio Bessarião e Isidoro, tendo sido este nomeado Metropolita de Moscou, em 1437. Após o Concílio, Isidoro percorreu a Ucrânia e a Bielorrússia, pregando a união com Roma. Chegou a Moscou em 1441. Todos ali ignoravam as decisões do Concílio e a reunificação. Quando, na Catedral, Isidoro fez as orações pelo Papa e leu as declarações de Florença, o imperador levantou-se indignado, encerrando o ofício e prendendo Isidoro num mosteiro. Este grande bispo conseguirá fugir e voltar a Roma. Em 1443 o Papa Eugênio IV o fará cardeal, e em 1459, Pio II o nomeará Patriarca de Constantinopla. Ele virá a morrer em 1462.
Morria com ele a esperança da reunificação com Roma. Os russos consideraram que Bizâncio era culpada de apostasia, e a tomada da cidade pelos turcos foi vista como um castigo de Deus. A oportunidade de criar um Patriarcado em Moscou, independente de Constantinopla, surgiu quando o Papa nomeou um Metropolita de Moscou, a pedido do rei da Polônia, Casimiro; e designou o bispo Gregório, que tinha sido o secretário de Isidoro no Concílio de Florença. Porém, um concílio reunido em Moscou, em 1459, declarou-se independente do Patriarcado de Constantinopla. “Declaramos e aceitamos como Metropolita legítimo de Kiev e de toda a Rússia, ao Arcebispo de Moscou, Jonas, e rechaçamos a Gregório da Lituânia, como herege, enviado pelo Papa Romano.” Uma nova era começava para a Rússia.
Os bispos da Lituânia, Ucrânia e oeste da Rússia rechaçaram tal decisão, mas no restante da Rússia a adesão foi completa.
Nessa época, governava a Rússia de Moscou Ivan III (1440-1505), chamado o Grande, por ter feito a unificação da Rússia e vencido o jugo mongol. Ivan se recusou a pagar os impostos e os mongóis, já então divididos, não se atreveram a atacá-lo. Na verdade, era um homem político, capaz de vencer e matar seus próprios irmãos. Assim, tornou-se o grande governante de toda a Rússia. Lutou contra o império polaco-lituano, então de grande importância, império católico governado por Casimiro IV. Nessa ocasião, venceu e anexou o principado de Novgorod que tinha então um acordo de colaboração com os lituanos. Em seguida, em 1500 e 1503, voltou a atacar a Lituânia, avançando até a Polônia e anexando várias cidades ao domínio russo. O imperador lituano Alexandre reconhecerá Ivan como senhor de toda a Rússia.
Mas Ivan III considerava-se mais do que isso. Já tinha fundado o Patriarcado de Moscou, faltava apenas tornar-se o novo imperador do Império Romano. Quando Constantinopla caiu, Ivan percebeu que o momento tinha chegado. Data dessa época a frase dita por um monge da corte de Ivan: “Ouça, Czar bendito: duas Romas caíram, a terceira existe e não haverá uma quarta. Teu reino cristão não passará a nenhum outro.”
Ivan III assumirá o papel de imperador, ou seja, sucessor do imperador romano, quando casar-se com Zoé, que vimos em Roma após a morte do seu tio Constantino XI, último imperador bizantino. Ao deixar Roma para casar-se com o rei Ivan III, Zoé recebeu o nome de Sofia, e o novo imperador assumiu sem maiores escrúpulos o símbolo da águia bicéfala que os imperadores bizantinos adotaram depois da queda da primeira Roma.
A Rússia de Moscou considerou-se a si mesma como a nova defensora do império, num sentido muito particular e de difícil compreensão para os homens modernos. Deus estabeleceu no mundo o domínio político com representantes seus, detentores de uma autoridade divina, encarregados de manter a paz e a ordem dentro de um mundo dirigido no sentido da vida eterna, favorecendo a Igreja e o papa. Apenas, no caso de Moscou, essa Igreja era a cismática Ortodoxia, aquela que rechaçara o retorno da união com Roma e que via no mundo dois inimigos mortais: o império turco muçulmano e o ocidente católico.
Apesar da usurpação de um título que não lhe pertencia, a noção de governo divino entrará nos corações dos russos de um modo profundo, criando raízes religiosas que suportarão todo tipo de ataque e de decadência. A nação russa passará ainda por diversas mudanças, por gloriosas conquistas e por sofrimentos imensos, mas não perderá jamais a noção de ter em Deus o fundamento da sua autoridade. Este fato está intimamente ligado aos acontecimentos de Fátima e serve como pista para a resposta que procuramos nessa pesquisa. De alguma forma a Rússia foi preservada, ou melhor, alguma coisa misteriosa foi preservada nesse povo e nessa nação, mesmo após os reinos europeus perderem para sempre o sentido religioso de sua missão.


Ivan, o terrível


Depois de Ivan III, terá destaque o governo do seu neto, Ivan IV (1533 – 1584), conhecido como “o Terrível”. Foi grande guerreiro e conquistador, tendo expandido o império pela Ásia. Ao mesmo tempo, dizimou toda a classe dos nobres russos, herdeiros dos antigos boiardos, da Rus de Kiev. Típico governante populista que assassina seus opositores e agrada ao povo simples. Sua política sanguinária fará surgir na Rússia uma nova classe de privilegiados, homens de serviço, das cidades, burgueses.
Nos seus excessos e fúrias, Ivan chegou ao cúmulo de assassinar seu próprio filho, o sucessor ao trono. Este fato acarretou o fim da dinastia dos Ivans, após a morte de Ivan IV.
Não me parece útil para o nosso artigo os detalhes complexos dos anos que se seguiram à morte de Ivan, o Terrível. O que importa é que, depois de 28 anos de guerras civis, falsos descendentes de Ivan, domínio polonês e nova guerra civil, em 1613 é proclamado Czar um nobre de família de boiardos do séc. XVI, chamado Miguel. Como o pai de Miguel chamava-se Romano, a dinastia recebeu o nome de Romanov.


Pedro, o Grande


Após alguns anos em que o sucessor do trono preferiu deixar o governo a sua mãe, Natália, Pedro assumiu o governo em 1694. Fez logo uma longa viagem pela Europa, com o objetivo de conhecer melhor as técnicas modernas, a vida militar e a navegação. De volta a Moscou, preocupou-se em modernizar o império, obrigando o povo a cortar as ancestrais barbas e a vestir-se à moda ocidental. Na verdade, estas coisas foram impostas do trono, sem nenhum laço mais profundo, sem nenhuma cultura verdadeira, sem tradição. Além disso, o novo imperador da Rússia abraçava as idéias modernas de um cientificismo que logo será transformado no espírito da Enciclopédia, dos filósofos iluministas. Não satisfeito com as transformações da vida russa, Pedro concebeu a construção de uma nova cidade, mais ao norte, que seria projetada nos moldes do Ocidente, e que serviria de porto para todo o comércio com os países europeus. É o nascimento da nova capital, São Petersburgo.
Infelizmente essa sede de vida européia não incluía um olhar para a Igreja Católica. Ao contrário, Pedro o Grande terá interesses políticos que o levarão a negociar uma colaboração com o papa, mas apenas como proteção contra os perigos otomanos. Uma vez alcançados seus interesses, não hesitará em romper seus acordos com os aliados europeus.
O Pe. Saens emite este juízo: “Abriu-se ao Ocidente do seu tempo, sem levar em conta a tirania que implicava a introdução de tais reformas, realizadas ao preço de imensa violência imposta à alma russa, às suas crenças e tradições mais arraigadas.” Daí teria nascido, segundo o mesmo autor, o espírito apocalíptico do povo russo; diziam do imperador: “Foi Pedro e voltou Anticristo”. De alguma forma, Pedro foi o primeiro tecnocrata, misturando ao título de Czar a ação de um ditador e tirano. Sua política externa foi sempre um mar revolto, com grandes viradas de posição, alianças que se tornavam ódios, matanças de religiosos inocentes e tratados de colaboração rompidos por qualquer motivo.


Catarina II


Nascida Sofia, na Germânia, em 1729, era de família da pequena nobreza e deu-se por muito satisfeita em ser eleita para desposar Pedro III, da Rússia. À sua chegada na corte oriental, recebeu da imperatriz o nome de Catarina. Não se sabe ao certo se Catarina esteve envolvida na morte do seu próprio marido. O fato é que ela se tornou imperatriz e governou a Rússia até 1796.
Catarina vai levar adiante a modernização do império começada por Pedro I, assim como a conquista de muitos reinos, estendendo o império à Sibéria, à Ucrânia, à parte da Suécia e outras regiões. Enquanto a Europa marcha resolutamente num caminho perigoso, longe da sua fé católica, Catarina faz amizade com os principais representantes do Iluminismo; é discípula de Montesquieu, correspondente de Voltaire, protetora de Diderot. Também durante o seu reinado a Maçonaria surgirá na Rússia, penetrando na nobreza.
Apesar dos governantes já terem esquecido os princípios religiosos que formaram a Rússia, este povo guardava algum segredo em sua alma que atuará de forma decisiva na conservação de certa presença divina na alma russa. Assim é que a própria Catarina tomará distância dos seus amigos filósofos quando a Revolução Francesa assassinar o Rei e cobrir a França de sangue. Ela chegará mesmo a perseguir todos em quem perceba algum traço de “jacobinismo”. Quando ela se dá conta de que as lojas são o centro da Revolução, proíbe aos nobres o ingresso nelas e trabalha para que vigore na Rússia a fórmula “uma Pátria, uma Fé, um Rei”.
Mas tudo isso no contexto dos equívocos da igreja ortodoxa. Na prática, atacou duramente aos católicos, sobretudo aos ucranianos. Em um único ano, os uniatas perderam 2300 igrejas. Em 1796, cem anos depois de Pedro I, das mais de cinco mil igrejas católicas do sul, restavam cerca de duzentas. Muitos dos gestos de Catarina, que pareceriam em favor dos católicos, na verdade tinham por objetivo irritar ao papa, em Roma. O melhor exemplo disso foi a recepção dos jesuítas, após a extinção da ordem.
O filho de Catarina, Paulo I (1754-1801), precisou tomar certos cuidados para poder governar após a morte de Catarina em 1796. A imperatriz havia retirado seu filho da sucessão por testamento. Porém, o que mais impressiona na vida desse Czar é seu esforço constante em lutar pela restauração das monarquias tradicionais nos países europeus. Fez todo tipo de acordo e tratado com a Áustria e a Inglaterra, no sentido de derrubar Napoleão Bonaparte. Chegou mesmo a aceitar um acordo com o próprio general francês quando este restaurou a monarquia, tornando-se imperador. Dentro desse contexto, trabalhou ativamente para proteger a Ordem de Malta, tendo sido, curiosamente, eleito Grão Mestre, o que não foi aceito por Roma, por razões evidentes. O fato é que o governo do filho de Catarina a Grande significa uma reaproximação da Rússia com o catolicismo.
Em 1801, Paulo I enviou ao papa uma mensagem, por meio do seu confidente, o padre jesuíta Gruber, que dizia: “Se o papa tiver necessidade de um asilo seguro, eu o receberia como ao meu próprio pai; todas as minhas forças serão empregadas em sua defesa, e não acontecerá como no caso de outros príncipes, os quais, ao prometerem ajuda, não queriam outra coisa senão exilá-lo e fazê-lo perder suas melhores províncias”. O imperador dissera a este mesmo padre, em diversas ocasiões: “Eu sou católico de coração; trate de persuadir os bispos”.
O Pe. Saens, que cita o livro de G. de Reynolds, O mundo Russo , afirma que os dois sonhavam com a reunificação religiosa do Oriente com Roma, assim como o Metropolita Ambrosio. O assassinato de Paulo I impediu que o sonho se realizasse.


Alexandre II


Apesar de Nicolau I ter adotado a política de Catarina, perseguindo a Igreja Católica, as coisas voltaram a melhorar sob o império de Alexandre II (1818-1881). Apesar da mente atormentada e inquieta, foi ele quem conseguiu vencer Napoleão. Homem religioso, era capaz de dizer a seus soldados, após a vitória: “Quem não reconhece que tais vitórias venham do alto, não merece ser chamado homem”. Na verdade, a vitória sobre Napoleão mudou completamente o comportamento e a política do imperador. Tornou-se mais religioso, sempre ocupado com a oração. Compreendeu que não pode existir Europa sem o cristianismo, e concebeu a idéia da Santa Aliança. O Czar imaginou um acordo entre os príncipes cristãos, contra a Revolução crescente, onde se escreveria: “Jesus Cristo Nosso Senhor e Nosso Salvador, Verbo Eterno, Esplendor do Pai e tesouro de Amor”... E Joseph de Maistre, que cita essas palavras, afirma que o redator da Aliança era o próprio imperador. Evidentemente tais pensamentos o aproximaram de Roma. Em resposta a uma carta do próprio papa, escreveu: “Rogo a Vossa Santidade que se deixe persuadir de que os súditos católicos terão da minha parte, no exercício do seu culto, a mais constante proteção. A Religião que professam gozará invariavelmente, na Rússia e na Polônia, dos salutares efeitos da minha mais fraternal solicitude. Ficaria grato de poder desfrutar, algum dia, do convite com que Vossa Santidade termina sua carta; e se as circunstâncias me aproximarem novamente da Itália, terei o maior empenho em ir assegurar pessoalmente a Vossa Santidade a verdadeira afeição que alimento por sua pessoa. Encomendo-me às orações e à bênção de Vossa Santidade” .
Alguns autores acreditam que Alexandre II morreu católico, visto ter enviado um embaixador extraordinário junto ao papa, na pessoa do general Michaud de Beauretour. O Czar morreu assassinado em 1825.


O fim dos Romanov


Qual foi o papel do último Czar nessa aproximação com Roma? Alguns autores acreditam que Nicolau II manteve algumas relações com a Sé de Pedro e que teria mesmo alguns traços de vida religiosa. Não é o que pensa o Pe. Saenz, que vê nos dois últimos Romanovs um afastamento.
Para nós, o que importa é saber que até o último momento a alma russa guardou duas coisas de muita importância para uma possível restauração da vida católica: por um lado, os governantes nunca perderam a noção de que a autoridade real era um dom de Deus, sendo o Czar escolhido por Ele para governar em seu lugar (até mesmo um Pedro o Grande, quando errava, seguia nessa direção, e atribuía a si um excesso de autoridade religiosa, no espírito do césaro-papismo); por outro lado, o homem do campo, o russo comum, guardou sempre seu espírito religioso. Vejam o que escreveu Solzhenitsyn: “O povo russo acolheu o cristianismo de um modo tão profundo e total que é muito difícil se imaginar e exprimir. O russo que vivia da terra chamava a si mesmo de Krestjanin, que significa: o que carrega a cruz. O jejum era respeitado com toda liberdade e rigor por todos os camponeses, mesmo nos lugares de trabalho mais duro. Em suas classes mais baixas, nosso povo se guiava pelo calendário da Igreja... toda a vida, as reflexões, as decisões, eram orientadas segundo esses tempos, segundo os nomes dos santos... Na época em que Dostoievski escrevia, tudo isso ainda se conservava em grande parte”
Se compararmos estes dados com o que aconteceu em toda a Europa ou mesmo nas Américas, veremos que as velhas nações católicas achavam-se, no início do século XX, contaminadas por duzentos ou trezentos anos de humanismo, de reforma protestante; sobretudo contaminadas pelo Liberalismo que começou derrubando a noção da monarquia católica, inspirada por Deus para a defesa da sua Igreja.
Ao longo dos séculos, percebemos com dor as diversas encruzilhadas, quando os acontecimentos tomaram rumos equivocados, causando catástrofes e perda da fé. Imaginem o que poderia ter acontecido ao mundo se Constantino XI não tivesse caído nas mãos dos turcos, em 1453. A reunificação de todo o Oriente sob um único pastor devolveria a grandeza da Fé e da Revelação a todo o mundo.
Do mesmo modo, como não sentir uma pontada de emoção ao imaginar um Alexandre II convertendo-se e conduzindo milagrosamente seu povo a voltar para a verdadeira Fé! Tudo isso estava presente no Coração de Nossa Senhora quando ela apareceu a três pobres crianças, num país católico, num país onde tais verdades poderiam ser difundidas, apesar do governo da época ser contra a Igreja. Apareceu em meio aos camponeses para a salvação do mundo, para a salvação dos camponeses pobres da Rússia.
Nessa época, havia na Europa católica, nos restos de catolicismo, um vivo esforço para que a Rússia se convertesse. Os papas incentivavam orações e obras pela conversão dos cismáticos. Exemplo disso é a obra do Pe. Emmanuel-André, já conhecido dos nossos leitores. Além de ser pároco do Mesnil-de-St-Loup, na França e abade do Mosteiro beneditino do ramo Olivetano, além da Obra de Nossa Senhora da Santa Esperança, que editava uma revista com mais de 200.000 assinantes, o Pe. Emmanuel lançou também a Revue de l´Eglise grecque-unie, que pretendia ser um órgão de união entre católicos e ortodoxos desejosos de ver as duas igrejas juntas novamente.
Em 1917, sabendo o quanto a Revolução podia espalhar-se em razão dos erros da Rússia, que já havia perdido diversas oportunidades de retornar à casa Materna, Nossa Senhora pede a conversão do único império ainda subsistente na Europa; o único país que guardara uma noção anti-liberal do governo divino sobre os povos e nações. Que terrível drama viveu o século XX, e que oportunidade disperdiçada!.
A leitura do artigo citado sobre o pedido de consagrar a Rússia ao Imaculado Coração de Maria torna o drama ainda mais doloroso para a alma católica. Como não tremer diante da responsabilidade dos papas que fecharam seus ouvidos a este pedido do Céu? Pedido insistente, maternal e tão simples de ser realizado! Se o fizeram tantas vezes, por que não respeitaram o pedido de Nossa Senhora? E veio o comunismo, muitas nações foram dizimadas; a fome, a guerra, e a peste do comunismo se espalharam, castigando a humanidade apóstata. E permanece profundamente enraizado no coração do homem moderno.
Hoje assistimos impotentes à ascensão vertiginosa do islamismo, tomando conta da Europa apodrecida, laica e vazia de tudo. E a Rússia não está lá para barrá-lo, para lutar, para vencê-lo. Mais uma vez só encontraremos repouso em Deus Nosso Senhor, só teremos recurso na oração e na devoção sincera e constante ao Imaculado Coração de Maria.


(Texto publicado na Revista Permanência nº 265, tempo da Quaresma de 2012)



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