A questão das investiduras leigas (1).
Eu não sou a melhor pessoa para escrever sobre o assunto.
Faltam-me alguns pressupostos históricos, todavia vou tentar.
Se tomarmos apenas o período histórico como campo de
observação, notaremos que todos os povos que registraram suas histórias nos
contam que um pequeno punhado de homens governou e se privilegiou sobre os
demais mortais. Essa afirmativa pode ser bem observada em comunidades primitivas
ainda existentes entre nós, que embora não tendo escrita, podem testemunhar ao
vivo, com as narrativas de suas lendas e com a sua pratica social que essa; é
uma verdade universal.
A lição que tiramos disso é que a democracia é um mito.
Mesmo a democracia grega na sua forma original, não era uma democracia, pois a
definição de povo era bem distinta da que temos hoje. Nela não votavam os submetidos,
os escravos, as mulheres, por exemplo.
Outro dia eu assisti a um filme muito bem feito como toda grande
mentira, que dizia que os povos anglo-saxões foram os guardiões da democracia,
e onde eles recuaram a tirania se impôs. Que aberração. Os ingleses, por
exemplo, em nome do mito democrático ocuparam a Índia, a China, boa parte da África,
a Austrália e o Canadá, os EUA, alguns territórios insulares e alguns territórios
sul-americanos. Como vemos essa era uma democracia muito particular exercida
pelos Reis e Lordes ingleses.
Visto que nunca em período algum, nem no socialismo, nem no
comunismo houve o governo das maiorias, posso dizer que o mundo livre é um mito
que tem servido aos “donos do mundo”. Posto assim, voltamos ao assunto das
investiduras.
Deste a mais afastada antiguidade histórica, os dons
humanos, como a beleza, a musica, a matemática, a escrita, o canto, a
liderança, a bravura ou uma força física destacada ou ainda uma inteligência destacada
eram e são atribuídas a Deus. Ou se preferirem aos deuses. Assim os antigos
egípcios se intitulavam filhos de deuses. Os bárbaros também se explicavam
assim, os Romanos desde Rômulo e Remulo se autodenominavam “eleitos”. O judeu
Idem. Ou seja, qualquer dom especial era uma dádiva de Deus entregue a um homem
para o exercício de uma missão especial. Assim surgiam as lideranças de governo
e guerra, e as lideranças digamos espirituais e ideológicas. As primeiras na
maioria das culturas antigas se transmitiam pelo sangue, ou seja, Deus investia
de autoridade e essa autoridade se transmitia pelos laços de parentesco. Tudo
muito conveniente.
Já as lideranças espirituais, foram se separando do comando
direto das gentes, mas se tornariam fontes de comunicação com os deuses,
portais celestes, pontes, porta vozes dos atos futuros, isso em todos os povos
e assim influíam indiretamente no comando faz gentes. O governo de um lado e a
magia, a interpretação, a premunição, a profecia e a intercessão junto a Deus
do outro lado. Todavia como já vimos, em ambos os ramos eram consideradas
investiduras divinas. Não parece difícil perceber que governantes ousaram sobre
os magos e os magos sobre os governantes, ou seja, o poder temporal e o poder
espiritual se digladiaram muitas vezes. Numa guerra, por exemplo, as fés e
crenças, ritos e magias de dois povos que lutavam combatiam tanto quanto os interesses
ditos mundanos e as armas, na verdade é difícil separar esses interesses. As
investiduras religiosas se transmitiam em geral pelos ritos iniciáticos.
A segunda lição que tiramos é que os grupos humanos que se
submetem aos poucos governantes de sempre o fazem de três formas principais.
Pelo medo da força militar de seus governantes (isso gera subservientes,
escravos, abúlicos) ou o fazem pela inteligência de seus governantes, pelos
mitos e ilusões criadas por esse poucos homens (isso gera fanáticos, fieis, súditos,
etc.) e finalmente pela simbiose (ou seja, pela conveniência ou troca de
favores e satisfação de necessidades () nesse sentido eu gostaria que vocês lessem
uma antiga bula Papal sobre a Origem do Estado Cristão editora Vozes).
Então como vimos os donos do poder temporal transmitiam
poder, e os donos do poder espiritual transmitiam poder e a isso se chamava
investidura, a investidura leiga e a investidura religiosa. Mas como vimos
acima, houve períodos em que lideres religiosos investiram Reis, e Reis houve que
investiram religiosos, mostrando que nesse campo da investidura de poder nem
sempre se respeitou a hierarquia de poder, o campo de poder, ou a legitima
transmissão de poder, segundo a historia de diversos povos que nos dão o testemunho
necessário. Os dois poderes disputaram o poder sobre o povo. Hoje o poder econômico,
ou terceiro poder, sem pátria, território, ou povo cria muito mais ilusão e
muito mais sutilezas no governo das massas. E manipula a ilusão democrática com
uma maestria sem par, cuja coroação virá quando o voto eletrônico estiver implantado
no mundo todo, e for facultativo, ai sim, a democracia enquanto governo das
maiorias estará definitivamente soterrada, embora o que é espantoso a
universalidade dos homens estará iludida de que finalmente a democracia existe.
Pura ilusão. Quanto maior a ilusão maior a escravidão.
Mas nossa intenção é falar da investidura leiga no
cristianismo. Se o que nos está posto acima já nos serve como introdução, a
coroação ou investidura de Saul como Rei dos israelitas parece ser um resumo
histórico de tudo o que já falamos e mostra claramente a fusão dos dois poderes,
o espiritual e ideológico e a força. O povo (no caso os chefes das tribos e
anciãos?) desiste da teocracia em que vivia (exercida diretamente por Deus
através de um ou outro mensageiro, Profetas e Juízes) e pede um rei, e o pedem
segundo as escrituras (Samuel 11- 19), para ser como os outros povos, liderados
temporalmente, organizados em um estado de coisas em que o poder de mando se
transmitisse pela investidura leiga, temporal e hereditária. É obvio que essa
não foi uma necessidade popular, mas de uma necessidade de comando, de
submissão e de domínio dos chefes.
Samuel lhes diz sobre Saul: "O rei que reinará sobre vocês
reivindicará como seu direito o seguinte: ele tomará os filhos de vocês para
servi-lo em seus carros de guerra e em sua cavalaria e para correr à frente dos
seus carros de guerra.
12 Colocará (investirá) alguns como
comandantes de mil e outros como comandantes de cinquenta. Ele os fará arar as
terras dele, fazer a colheita e fabricar armas de guerra e equipamentos para os
seus carros de guerra.
16 Também tomará de vocês para seu
uso particular os servos e as servas, e o melhor do gado e dos jumentos.
18 Naquele dia, vocês clamarão à
Deus por causa do rei que vocês mesmos escolheram, e o Senhor não os ouvirá".
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