Tinham os índios alma?
Wallace Requião de Mello e Silva.
É muito interessante a freqüência com que encontro em livros de história, ou periódicos, a afirmação de que a Igreja Católica em plena Idade Média ainda não se decidira se as mulheres, os negros e os índios tinham ou não alma. Mentira maliciosa e mal intencionada divulgada à exaustão pelos inimigos do verdadeiro cristianismo.
Embora a Idade Média termine com a Tomada de Constantinopla pelos Turcos em 1453, não se poderá, em hipótese nenhum, acusar a igreja de tal dúvida
Não é difícil comprovar que o catolicismo gira em torno da figura da mãe de Jesus, portanto gira em torno da mulher; santa e imaculada. Ora, sendo assim, desde o seu inicio a Igreja cultua a alma feminina, a alma de Maria, portanto a Igreja nunca duvidou da existência da alma da mulher. Do mesmo modo, como diz o Novo Testamento, mandando os apóstolos ir e pregar o Evangelho a todos os povos, nunca em tempo nenhum, algum povo ficou fora da evangelização da Igreja, muito menos poder-se ia dizer que a Igreja evangeliza seres sem alma. Ora, é falsa também a segunda acusação.
Como todos sabem a Sagrada Escritura ressalta a origem comum de todos os homens e mulheres. Primeiro em Gênese quando Deus cria Adão e Eva. Depois novamente durante o Diluvio, onde toda a humanidade descende de Noé sua mulher e filhos e suas esposas. Portanto, a origem comum da humanidade pós diluviana, Noé, e seus filhos Sem, Jefeth e Can, e suas esposas que dariam origem aos demais povos da terra. Portanto não haveria possibilidade alguma de existirem seres humanos sem alma. A Igreja nunca ensinou outra coisa.
E o Índio americano? Como está dito acima tinha e tem alma o nosso índio.
Como título de curiosidade, registro alguns dados, para estimular os pesquisadores interessados nas coisas da Igreja. Nas obras manuscritas e publicadas na America pela Igreja, escritas para a edificação do ameríndio, para a catequese de todos, e para a cristianização, ainda que pareça um pouco maçante, fica aqui, registrado esse inventário, para registro dos historiadores e curiosos de plantão, como prova definitiva e cabal de que na América nunca se duvidou, ao menos por parte da Igreja, da existência da alma índia.
Pode-se dizer também que nem mesmo na carta de Caminha (1500) que elegia aos índios, nos relatos de D. Álvaro Cabeza de Vaca descrevendo a sua estada na America do Norte (1527) onde viveu oito anos entre os índios, e posteriormente no sul do Brasil (1541), ou também no que lemos na obra do Padre Ruiz de Montoya em Conquista Espiritual; ou ainda, em “Diário de Navegação” de Pero Lopez de Sousa, irmão de Martin Afonso de Souza, ambos os donatários de Capitanias no Brasil, poder-se-ia supor qualquer dúvida sobre a existência ou não da alma ameríndia.
Colombo, em uma de suas três viagens a America, por exemplo, e o português Corte Real (1500) na sua primeira viagem ao Canadá levam em suas embarcações índios para a Europa.
Hernão (Fernão) Cortez aportou o Yucatã, no México em 1519. Ele se relacionará com uma índia escrava de outros índios (astecas), batizada como Marina, que será como nos conta a história, sua companheira e o pivô da conquista mexicana. Com a conquista do México em 1523/25, a primeira tipografia da América foi instalada na cidade de Tenochtitlan, hoje cidade do México, ali instalada em 1539 como nos contam relatos da Igreja, como obra e iniciativa do primeiro arcebispo do México D. João de Zumárraga. Pode-se provar através desses documentos que os catecismos na América foram compostos por missionários franciscanos, agostinianos e jesuítas (esses últimos a partir de 1540). No Brasil o primeiro catecismo impresso destinado aos índios era uma versão do catecismo de Marcos Jorge. O Padre Grã, superior geral que parece ter vindo ao Brasil com Martin Afonso de Souza (1530), fez vir de Portugal exemplar em 1564. Também o Padre Inácio Martins SJ, fez uma copilação da doutrina Cristã que ficou conhecida em todo o Brasil como Cartilha do Mestre Inácio. Em 1574 o Padre Leonardo do Vale traduziu a Cartilha para o Tupi, que foi posteriormente aperfeiçoada por José de Anchieta que, por sua vez também escreveu outra gramática, a gramática Tupi-Guarani. O Padre Antônio Lemos Barbosa publicou uma edição fac-similar do Catecismo em língua brasílica (língua geral) quase todo redigido em Tupi, dito antigo, sob forma de diálogos.
Na America espanhola ainda restrita a Antilhas já se conhecia algumas obras como a de Pedro de Cordoba em Castelhano destinada ao uso dos missionários para instrução dos índios em forma de histórias. Sua primeira publicação gráfica veio por ordem do arcebispo Zumárraga, essa em 1545. Em 1532 Zumárraga mandou publicar os manuscritos dos padres Turíbio de Montolina e João de Ribas. Em 1537 registra-se a ordem do Imperador Carlos V de imprimir a tradução em língua indígena de João Ramirez OP.
Os primeiros franciscanos chegados ao México em 1523 eram três freis belgas. Um deles João Conveur que morreu em 1526 deixou um manuscrito da Doutrina Cristã em língua mexicana (Asteca ou Yucatã). Frei Pedro van der Moere, também publicou um catecismo em língua Mexicana em Antuérpia no ano de 1528. Desta obra as edições de 1547 e 1553 passaram a ser editadas no próprio México. Como já dissemos também existe a doutrina em língua mexicana de Turíbio de Montolina, conhecido exemplar da versão editada em 1539, mas não se sabe essa, se no México ou Espanha.
Em 1584 Antônio Ricardo veio instalar a primeira gráfica do Peru de propriedade dos Padres Jesuítas, essa por iniciativa de São Turíbio de Mongrovejo, arcebispo do Vice Reino do Peru, por ocasião de resolução do primeiro Concílio Provincial em 1583, porém, não se sabe com segurança quem foi o autor do catecismo de Lima. Em 1603 no Sínodo de Assunção ele, o catecismo de Lima, foi traduzido também para o Guarani pelo Frei Luiz de Bolãnos OFM. O texto em guarani foi ao prelo em 1640.
Registra-se também um catecismo em língua guatemalteca ou guatemalense, publicada pelos franciscanos em 1550, obra do frei Francisco Marroquim primeiro bispo da Guatemala. Também existe o Catecismo em língua Yucatã de Diogo de Landa OFM; o de Luiz de Barrientos OP em língua Chiapa; e de Domingos de Vaéz S.J em língua original da Florida, conforme narra Cabeza de Vaca. Registram-se também catecismos nas línguas gorgotoqui; chirriguana; chané; capacorro e payomo. O jesuíta Pedro de Anasco missionário em 1572 é a quem se atribuí à gramática, o vocabulário e catecismos das diversas línguas faladas no Tucumã.
Termino esse texto citando o jesuíta Diogo de Samamiego que escreveu “Catecismo, Arte e Vocabulário” da língua Chirriguana e com ele termino essa breve relação que comprova o cuidado que se tinha com a alma ameríndia.
Ninguém despenderia tanto tempo e trabalho se não acreditasse na alma dos ameríndios. Acho que o texto fica assim claro e objetivo. E responde a dúvida levantada no título, dúvida maliciosamente plantada em textos de diversos autores críticos e contrários a Igreja e repetidos ate mesmo por autores católicos.
Wallace Requião de Mello e Silva.
sexta-feira, 31 de outubro de 2008
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