Reflexões de um neurônio solitário.
Você deve lembrar? O samba de uma nota só. É assim, nesse
tom, sem a menor dialética, num monologo típico do solitário, que o neurônio
registra essas suas reflexões.
Destino, o que é o destino? Olha pelas lentes de um olho,
corre para a direita e olha pelas lentes do outro olho. Imenso o espaço
cerebral, cheios de ecos de si mesmo, quase tão grande quanto à solidão do
neurônio ginasta, acostumado às dimensões de ginásio coberto. Destino o que é?
O que é o destino?
Talvez seja como uma viagem a São Paulo. São Paulo é o
destino. Se eu chegar lá nessa meta escolhida, cumpri meu destino. Mas e se não
for escolhida... Rio, Belo horizonte, Miami, ou ficar aqui, correndo da lente
de um olho para o outro? Sei lá. Na verdade, quem corre mais alcança seu
destino mais rapidamente. Se duas pessoas partem para São Paulo, o que correr
mais chega primeiro. È isso, quanto mais rápido, mais breve a vida, mais rápido
chegamos ao nosso destino. Mas a morte? Não é ela o destino de todo ser vivo?
Quem corre mais; muito mais rápido a encontra.
E se for cíclico,
morrer nascer? Olho por uma lente corre para a outra lente? Porque faço isso,
me pergunto? Ora você não sabe, respondo. Faço para ter dois pontos de vista
distintos, isso me da à ilusão de que mantenho um dialogo, e dialogo é coisa
importante. Relacionamento. È mole ou quer mais? Não, não, como é inteligente
esse cara, e corro para o outro olho e de lá dou um tchauzinho para ele... Legal
esse cara.
Mas se é cíclico, é como corrida de formula 1, ridículo. Corre,
corre, em círculo, como um cachorro atrás do próprio rabo, sem chegar a lugar
nenhum. Vum, Vum, Vum, que saco, esse o destino cíclico, morrer e renascer.
Corro para a lente do outro olho para ver se meu amigo inteligente me responde,
mas cada vez que chego lá, vejo que não há ninguém.
A vida é isso, levantam, correm, correm, correm, e voltam
para casa, um giro sem fim, sem taça e sem pódio. Será? Porque tanta pressa? Se
os apressados chegarão antes, e se chegarem e não houver o tal ciclo, acabou,
que sem graça. Ou não, o destino vai além? Porra, como é duro pensar. Corro
para a lente do outro olho. Esse nariz atrapalha tudo. Sempre esta onde não é
chamado. Se ele não ventilasse o ambiente, já teria me livrado dele dando com a
cara na porta. E se for além? Bem, você ficou curioso não é? Mas eu sou apenas
um neurônio, não posso responder uma coisa dessas por todos os neurônios que
existem. Corro para a lente do outro olho e me demoro a contemplar.
Cada um daqueles crânios tem, ao menos, um neurônio dentro. Será
que existe um neurônio, sem casa, desalojado, jogado ai pelo chão, pisado como
uma minhoca? Mas isso é areia de mais
para meu caminhãozinho. Às vezes eu me sinto como um badalo num sino invertido.
Blem, Blem, Blem, Belém... Mas que barulho. Sino chama a atenção.
Não sei por que insisto em limpar as lentes desse olho. Lá
fora só vejo crânios, e seus equipamentos passando, e passando, e passando. Na
verdade, alguém poderia dar uma olhadinha pelas minhas lentes. È isso limpo
estes olhos para ser visto. Vou dar uma batidinha aqui, como quem bate no vidro
de uma janela. Toc, Toc, Toc,... Hein tem alguém aí?
Como era mesmo, eu me pergunto, o inicio dessa conversa,
irmão? E corro para o outro olho para dar a solução, de um, digamos, outro ponto
de vista. O Início cara... Você não se lembra? Respondo então. Era o destino, e
o destino é a solidão.
Puxa então porque ter
tanta pressa, correr em círculos, badalar como um grande sino. E corri para o
outro olho..., ora, murmurei para ver a banda passar. È isso meu destino é ver
a Banda Passar. Esse Chico Buarque de Copa Cabana, ele. Puxa, sabia mesmo dizer o que se sente. Também é o
único disco que eu tenho. Nhoque, nheque, nhoque..., é preciso botar a agulha
no começo.
Será que por isso me chamam de idéia fixa? Pra ver a banda
passar, pra ver a banda passar, para ver a... Bicho!!. Acorda, olha ali. Onde,
onde? Olha é ela que vem, é ela que passa, no doce balanço, a caminho do mar.
Será que o Chico morou em Ipanema? Eu mesmo pergunto e, do outro olho respondo,
para ver o balanço, o badalo e, pronto para correr em círculos, como um cão,
babando de lá para cá.
O futuro do solitário
é a esperança do prazer.
Nhoque, nhoque, botar
a agulha no começo.
Você não podia esperar mais, não é?
De um neurônio
solitário?
Seria esperar muito.
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