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terça-feira, 28 de outubro de 2008

A Igreja na Amazônia.

A Igreja e a Amazônia .

Wallace Requião de Mello e Silva.

A Amazônia, ao contrario do que pensam os brasileiros, não é um espaço neutro, onde podemos imaginar relaxados que àquelas riquezas sempre estiveram lá, sob o domínio seguro e incontestado e a disposição dos brasileiros. Ela pertenceu inicialmente à Espanha, a União Ibérica (1580-1640), sofreu diversas invasões (holandesa, francesa e inglesa) e tem sido motivo da reiterada cobiça internacional. Tem sofrido através dos anos muitas e diversas espécies de estratégias de posse e domínio. Basta lembrar que as principais querelas de fronteiras que tivemos em nossa história nacional dizem respeito à região Amazônica. A questão do Acre disputada com a Bolívia, e resolvida na raça por Plácido de Castro; o Amapá disputado aos franceses, e a questão de Pirara com os ingleses na fronteira da Guiana Britânica. A mais recente investida é a Internacionalização da Amazônia Brasileira, e o que é pior, primeiro se ampliou o conceito e a área territorial da Amazônia com o conceito de Amazônia Legal, depois veio o conceito de Pan Amazônia como unidade econômica e ambiental como pode ler em detalhes em “Uma geopolítica Pan Amazônica” do General Meira Matos, para em fim, vermos defendida uma “conveniente internacionalização” da Amazônia Brasileira, ou seja, internacionalização de 60% do nosso mais rico território. Este interesse internacional, sobre a “esquecida” região pan- amazônica, poderemos entender melhor e melhor investigar se tivermos uma visão precisa da crise energética que se avizinha do mundo moderno. Sobre ela há um trabalho do doutor em física e ex-ministro, Bautista Vidal. Melhores e mais específicos textos, sobre as mais recentes ameaças à soberania Amazônica Brasileira, encontrarão os senhores na obra do Coronel Roberto Monteiro de Oliveira, ex. chefe do SNI da Amazônia, titulada: “Ameaças à Soberania Brasileira”. As Questões históricas mais antigas pode-se ler em suas minúcias em “Amazônia e a Cobiça Internacional” de Arthur César Ferreira Reis E ainda em A Amazônia e a Integridade do Brasil do mesmo autor publicada pelo Senado Federal.
Para a melhor compreensão do assunto, no entanto, e com intuito de introdução, devemos lembrar que a Amazônia não era, nos primórdios da nossa história, o espaço geopolítico que hoje conhecemos. Houve três períodos marcantes: o pré-colonial 1500-1530 onde a região foi visitada por aventureiros de diversas nacionalidades, o colonial, já pelo sistema de Capitanias Hereditárias numa tentativa de posse efetiva do território brasileiro pelos portugueses e terceiro, o regido pela União Ibérica onde o Brasil cresceu para Oeste. Imperavam nos primeiros tempos, todos sabem, o Tratado de Tordesilhas cujos princípios gerais eram respeitados pelas nações ibéricas ate 1750 quando foram alterados pelo Tratado de Madrid. Todavia se as nações ibéricas o respeitavam, não o faziam as outras nações. A região ao norte ou à margem norte do Rio Amazonas, em muitas oportunidades foi visitada por aventureiros franceses, ingleses, holandeses assim como ocorreu na América do Norte, e por homens iberos, espanhóis e portugueses. O faziam, dizem alguns, sem o apoio oficial de suas nações, mas a verdade é que foram aos poucos formando, pode-se dizer, as regiões que hoje chamamos Guianas (francesa, holandesa e inglesa), Venezuela (que foi entregue a casa mineradora e financeira alemã Belser ou Welser) e Colômbia, onde acabamos à medida que investigamos o assunto, por perceber a intencionalidade colonial daquelas nações. Na America do Norte, toda ela pertencente, inicialmente, aos espanhóis, foi ou foram suas áreas, aos poucos, sendo “invadidas, tomadas, acordadadas e até vendidas”, e fez-se o Canadá pelos Franceses e ingleses, os ingleses foram forçando os espanhóis para o Oeste, de modo que só o México, o Texas, a Florida, e a Califórnia mantiveram a língua espana, todavia como de resto em toda a America ingleses e franceses, financiaram as independências das colônias, de modo a enfraquecer os reinos portugueses e espanhóis, e assim melhor explorar economicamente as novas nações independentes. É Uma verdade histórica. Na Amazônia incentivaram a criação de republicas independente como veremos em outros textos.
Na verdade a “Grande Amazônia” toda ela fazia parte do Vice Reino de Nova Granada, e estava submetida por tratado ao reino de Espanha. Existe uma proposital cegueira ao progresso dos padres inacianos espanhóis na região do Alto Amazonas. Ainda não sei explicar o por que.
Durante a União Ibérica as regiões a Leste e a Oeste do Meridiano de Tordesilhas estiveram sob domínio de uma só casa real (1580-1640), o que de certa maneira facilitou aos portugueses a expansão territorial em direção Oeste. Essa facilidade adveio em primeiro lugar da defesa do território contra as invasões holandesas e francesas assumida pelos portugueses, expulsando estrangeiros (não ibéricos) das regiões interiores do rio Amazonas mais precisamente da região do Xingu e Trombetas, como também, da imensa dificuldade que tinham os espanhóis em cuidar dos interiores amazônicos, fosse com seus soldados vindos do oceano Pacifico onde se estabeleceram em maior número, fossem vindos das águas Caribenhas. Portugal, é verdade, controlava a entrada do rio à altura da ilha de Marajó e isso lhe permitia o controle da navegação do Amazonas. A União Ibérica por outro lado permitiu como já dissemos o extensionismo português sem resistência militar por parte dos espanhóis.
A Amazônia como vê, também não era a “restrição geográfica e cartográfica” do atual estado do Amazonas e seus vizinhos, como é comum se pensar hoje, mas era compreendida ainda, e tão somente, como sendo as poucas terras ribeirinhas que iam se descortinando aos olhos aventureiros dos homens que ali chegavam. Nem portugueses nem espanhóis aquilataram em principio a verdadeira dimensão do que haviam assumido. A ciência cartográfica era imprecisa. Os índios, que ali viviam dispersos, por outro lado, nunca lhe chamaram Amazônia e suas noções territoriais eram bem outras. Não cabe aqui discuti-las. Uma contemplação do que foi a obra missionária dos jesuítas desmentem de uma só vez dois grandes tabus caluniosos sofridos pela igreja, os índios tinham alma, a Igreja nunca duvidou disso, e as missões não escravizaram como de resto, todos nos querem fazer pensar.
Politicamente, como já disse, por força de tratado, aos olhos dos europeus portugueses, o território português ou que estava submetido oficialmente aos portugueses, jamais ultrapassou a ilha de Marajó e compreendia tão somente as Capitanias Hereditárias do Norte; Maranhão e Grão Pará. Ë aqui que entra a importância dos padres espanhóis e portugueses na posse e civilização da extensa região. Dada a superficialidade com que nos ensinaram as complexas questões na formação das fronteiras brasileiras na região, muita coisa, muita luta heróica passou despercebida do povo brasileiro nas carteiras escolares. Poucos podem imaginar o que era o abandono à Divina Providência a que se submetiam os padres isolados na companhia de índios nos confins da floresta nos tempos primitivos.
Por exemplo: Foram os padres na verdade que fixavam os homens na Região, e aos poucos alargaram essa região para a língua portuguesa infiltrando-se nas áreas, não diríamos abandonadas, mas despossuidas do Brasil amazônico. Todavia, e não podemos jamais esquecer, que, alheias ao acordo ibérico, as outras nações visitaram a região em inúmeras iniciativas, iniciativas ampliadas para tentativas colonizadoras quando da vigência da União Ibérica, pois em nome da inimizade com o reino da Espanha, tentaram essas nações sistemáticas vezes a posse da região em investidas por diversas frentes. Depois veio a fase exploratória e “cientifica”, onde homens de ciência prestavam informações as suas nações e controlaram áreas econômicas. Felizmente a região foi defendida pelos portugueses e lusos brasileiros com o flagrante e decisivo auxilio dos padres.
Não estou exagerando, pois basta lembrar que na questão do Amapá, por exemplo, na querela com os franceses, a lista tríplice, ou triunvirato, que governou, em nome dos brasileiros, a região liberada do Amapá, era então liderado pelo cônego Domingos Maltez que fora escolhido seu presidente.
Também na histórica expulsão dos holandeses em 1623 podemos ler do cronista: “Uma força expedicionária recrutada em Lisboa, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Maranhão e Pará, mais um contingente de 1000 índios liderados pelo padre franciscano Cristóvão de São José atacaram as posições inglesas e holandesas localizadas em Garupá e na ilha do Tocuju. Foram tomados os fortes afundados dois navios e aprisionados, centenas de combatentes inimigos”.
Durante o episódio da colonização Irlandesa autorizada na Amazônia, foi o vigário de São Luis, Matheus de Souza que em carta dirigindo-se a D. João, rei de Portugal indicava-lhe os perigos (documento hoje na posse do Arquivo do Ultramar em Lisboa), provando mais uma vez que a ação dos padres foi efetiva, civilizadora, política e administrativa, quando não, se necessário, até belicosa.
As dificuldades para fixar as verdadeiras extensões territoriais são inúmeras nesse inicio de pesquisa. Mas fica patente aos meus olhos a importância dos padres na questão territorial amazônica.
Pode-se observar também que as capitanias portuguesas, incidindo sobre as terras portuguesas à qual estamos nos referindo mudaram diversas vezes de nome, de donatário e de extensão territorial o que exige por parte do pesquisador uma atenção mais concentrada. Mudaram de área, ou seja, ampliaram suas extensões, as capitanias, sobretudo durante os Governos Gerais. A Capitania do Grão Pará, por exemplo, também se chamou Capitania do Grande Rio, que por sinal, prestem atenção, não era o Rio Amazonas que estava todo ele em terras de Espanha. Tanto o Orenoco, em terras de Espanha como o São Francisco em terras portuguesas, dizem os historiadores, foram também chamados de Grande Rio, ou Rio Grande das Amazonas como o chamou Pizon (o filho de Pin). A solução poderá vir, no meu caso, pela consulta dos mapas do frei Samuel Fritz, ou dos mapas da Companhia de Jesus.
Mas, de qualquer modo, como procurei demonstrar no primeiro artigo, a Igreja, que é o centro e tema do artigo que escrevo, esteve presente desde os primeiros dias da história da Amazônia estendendo as fronteiras do Brasil para o Oeste fosse acompanhando Espanhóis, como Orellana ou portugueses como Pedro Teixeira ou ainda outros cristãos de outras nacionalidades como franceses, belgas, italianos e irlandeses e ate índios. Os aventureiros abriam o caminho em busca de riquezas e se faziam acompanhar pelos padres, mas a Igreja, através de seus padres se fixava e fazia fixar os homens.
Há uma longa e proposital nebulosidade histórica entre a “Expedição” espanhola de Orellana (1541) que se fez acompanhar do Frei Gaspar de Carvajal e que volta ao Amazonas como adelantado (governador em 1556) o que confirma minha afirmação inicial da presença dos padres na região, e a “Expedição” portuguesa de Pedro Teixeira (1637), herói da resistência contra os holandeses, que subiu o rio com freis Domingos de Brioa e André de Toledo (ambos franciscanos) e que voltou tendo como companhia os padres jesuítas espanhóis Cristovan d’ Acuña e André d’ Ortiega oriundos de Quito que são autores do texto “O novo Descubrimento do Grande Rio das Amazonas”. Esse período, nebuloso sem duvida, foi considerado por mim como sendo a primeira fase da cobiça das potências não ibéricas sobre a região, e escreverei oportunamente outro artigo sobre o tema.
Porém, fica bem claro que Pedro Teixeira, as vésperas da restauração do reino português (que se daria em 1640) informado pelos padres da presença de estrangeiros não ibéricos no interior, tomou posse para os portugueses, subindo o rio Amazonas em 1637, de imensas áreas e de vilas jesuíticas que estavam em poder dos espanhóis por força do Tratado. Ele testemunha claramente a presença interiorizada dos padres inacianos portugueses e espanhóis. (estou procurando edição fac-símile do texto original). Nesta viagem épica, que chegou a Quito no Equador subindo o rio, já se notava a presença dos padres inacianos enraizados na região, ultrapassando em muito às cercanias do que hoje chamamos Manaus. O próprio Pedro Teixeira foi estimulado a fazer sua “entrada” pelo relato minucioso de dois padres, que desceram do Equador, tendo como motivo algo bem pouco oficial, e na companhia, de um único soldado português, chegando à custa de duras aventuras à presença do governador, narrando à presença de estrangeiros, rio acima, conforme escrevi no primeiro artigo.
Assim, quando a região sofreu as entradas francesas que desceram de Caienas costeando o Amapá, ou quando os ingleses e holandeses adentraram o Rio Amazonas ate os rios Tapajós, Paranaíba, e Xingu levantando fortins e estabelecendo povoações, os padres já mantinham cidades duas ou três vezes mais interiorizados ao oeste, algumas subindo o Rio Negro em direção à Venezuela. Alguns historiadores registram que houve uma passagem ligando um dos afluentes do Orenoco com o extremo Rio Negro, o que possibilitaria se verdade for, aos espanhóis e outros aventureiros descerem por essa via ate a região de Manaus.
Não é preciso lembrar ao leitor que foi celebrada a primeira missa no Brasil em 1500, porém nos o fazemos aqui, porque esse é o testemunho mais conhecido que a nossa historia nos dá de que esses aventureiros a serviço dos reis se faziam acompanhar sempre pelos padres. Não raras vezes os próprios aventureiros tornavam-se monges ou padres como aconteceu com os célebres Cristóvão Colombo descobridor da América, ou Alvar Cabeza de Vaca que atravessou boa parte dos EUA partindo da Florida e foi adelantado do Vice Reino do Rio da Prata, partindo inexplicavelmente da Ilha de Santa Catarina, para Assuncion, para onde havia sido transferida a população de Buenos Aires.
Assim também foi nos EUA, no México, na América Central e na América do Sul. Os padres sempre presentes. Documentos da Igreja que relatam a Região Americana datam alguns que encontrei em livros, de 1516. Interessante testemunho escrito dessa presença nos primórdios de toda a América é o livro do Padre Montoya, titulado “Conquista Espiritual”, e publicado, em primeira edição, por volta de 1530. Quem se der ao trabalho de estudar a historia dos manuais catequéticos (catecismos) em língua índia, verá que os padres já os utilizavam nas Antilhas entre 1494 e 1527, e com a conquista do México em 1525, os há registrados também em língua mexicana que não era como é óbvio, o castelhano. Em 1557 já havia manuais no Brasil em língua Tupi, língua muito falada na região Amazônica. Haveria também em Aruaque, Gê ou Pano, típicas daquela região? Ainda não sei.
Hoje podemos saber sem erro que as mais antigas vilas do interior amazônico foram fundadas e mentidas pelos inacianos, por exemplo: no Solimões – Olivença fundada como São Paulo Cambebas e a vila de São Francisco Xavier de Tabatinga. Descendo o Madeira as missões de Trocanas e Abacaxis. No Tapajós, a missão de Tapajós hoje Santarém e Eunupataba hoje Monte Alegre. No rio Amazonas: Almerim, Trocana e Faro. No rio Trombetas a vila de Óbidos. No Rio Negro: Mariuá hoje Barcelos; Aracati hoje Carvoeiro; e Moura hoje Pedreira. Os fortes levantados por luso brasileiros, ou fortalezas, mais antigas: São Gabriel da Cachoeira; São José das Marabitanas e São Joaquim do Rio Branco.
Todavia, a “História Oficial das Ordens Religiosas Portuguesas no Amazonas”, não das espanholas, nos dá um testemunho 100 anos mais tardio, testemunho complementar sem duvida, porém insofismavelmente mais preciso documentado e ordenado. Assim, podemos ler pelo lado dos portugueses a providencial chegada oficial dos padres na região Amazônica assumindo a região de maneira metódica, para bem do Brasil, para a educação do povo, e aumento do seu território Registra-se a chegada dos Padres Franciscanos de Santo Antônio em 1616/17; os Carmelitas em 1627; os Jesuítas portugueses em 1633, os Mercedários em 1639; os Capuchos da Beira e do Ninho em 1707. Em 1627, os padres fundaram a Primeira Escola de Belém no forte Castelo, chamado por muitos historiadores de Forte Colégio. Tinham biblioteca com dois mil volumes. Os carmelitas fundaram o convento de São Luiz no Maranhão. Assim, foram fundando, em colaboração com militares luso-brasileiros, índios e sertanistas, vilas, conventos, assegurando as cidades, ou organizando em povoações mais antigas de origem índia, escolas, e oficinas interiorizando o Brasil na Fé Católica e expandindo as suas fronteiras para o oeste. Toda essa história heróica vivida após os anos 1600 pelos padres na Amazônia pode ser lida também em “Religiosos na Amazônia” do Padre Carlos Coimbra da Universidade do Pará.
Finalmente alerto de que se houve algum pequeno deslize histórico no texto, advém do inicio da pesquisa, e do assunto complexo e difícil pelo qual ainda não tenho intimidade e pleno domínio, mas apenas nutro sadia curiosidade que haverá de ser partilhada por muitos brasileiros amantes da terra. Fica aqui, esse resumo bem intencionado de modo a estimular o estudo do problema Amazônico Brasileiro.

Wallace Requião de Mello e Silva.
Pesquisa & Texto.

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