O novo boom da exploração mineral
e o Brasil
por
Pedro Jacobi
A exaustão de muitas minas antigas
juntamente com o crescimento da economia mundial e, principalmente, da China
está forçando as mineradoras à um novo ciclo de exploração mineral.
Para podermos entender um boom
exploratório como o que se inicia, evitando a repetição dos erros passados, é
importante revermos os conceitos e a história.
A exploração mineral no Brasil
Nas últimas décadas o Brasil
passou por várias fases exploratórias distintas. Todas ditadas pelo mercado
mundial e pelas suas expectativas. A evolução foi drástica. Mudaram as
commodities , a metodologia, a tecnologia, os enfoques, a estratégia e a
eficiência. Independente dessa imensa evolução ainda é necessário o mais
importante: o ser humano que irá digerir e transformar todos estes parâmetros
em uma descoberta: o exploracionista.
Carajás e o seu
impacto na exploração mineral brasileira
No nosso país, o grande divisor de
águas na exploração mineral foi, sem sombra de dúvidas, a descoberta da
Província Mineral de Carajás.
Até então os principais
levantamentos brasileiros constituíam-se em projetos de mapeamento geológico
direcionados a embasar os trabalhos exploratórios subsequentes. A busca de
petróleo na Amazônia, a descoberta de manganês na Serra do Navio, do estanho de
Rondônia e da bauxita do Trombetas são os fatores determinantes que pavimentaram
a descoberta maior que só ocorreu 1967.
Foi lá, em Carajás, que a
história mudou.
Nesta época, década de 60, as
multinacionais americanas, como a Union Carbide e a US Steel, haviam invadido a
Amazônia em busca de manganês. Foi um caso clássico de serendipity que até hoje
é discutido nas fogueiras dos acampamentos.
A US Steel, comandada pelo
excepcional Gene Tolbert, chegou primeiro ao topo da Serra e a descoberta
da maior jazida de ferro de alto teor do planeta foi feita.
Poucos anos depois, por intermédio
de uma empresa, fruto direto de Carajás, a Terraservice, o Brasil
ingressou na fase exploratória tecnológica e que, pela primeira vez, vimos a
aplicação de métodos exploratórios regionais que combinavam a geologia, a
geoquímica de sedimentos de corrente e a geofísica aérea. Por incrível que
pareça as primeiras anomalias significativas de cobre e ouro em Carajás,
efetuadas por essa metodologia exploratória, são as mesmas que geraram os
depósitos de ouro e cobre do Igarapé Bahia, Salobo, Alemão e Sossego (estes três
últimos ainda não entraram em produção).
Era o acerto da equação mais
importante na exploração mineral: o homem certo no lugar certo usando o
método certo.
A Terraservice, que alguns anos
mais tarde se transformaria em Docegeo, foi a primeira grande empresa de
exploração mineral do Brasil e, provavelmente, uma das maiores e melhores do
mundo naquela época.
A empresa, criada pelo mesmo Gene
Tolbert de Carajás, para ser o braço exploratório da CVRD nasceu gigante,
ambiciosa e vencedora. O próprio Tolbert pessoalmente entrevistou e contratou a
maioria de um dos mais seletos grupos de consultores e de geólogos de exploração
que o Brasil viu. A idéia era, simplesmente ambiciosa, atacar a Amazônia, o
Centro-Oeste, o Centro e o Nordeste.
Tudo ao mesmo tempo.
Para realizar tal feito foram
contratados, a peso de ouro, os consultores Australianos, Peruanos e Americanos
cujo principal papel seria o de implantar o maior e mais avançado programa
exploratório que o país havia visto, transferindo o know-how para a equipe
brasileira que seria, em 3 anos, a base da Docegeo.
Em pouquíssimos anos o País se
transformou e a década de 70 viu a melhor fase da exploração mineral brasileira.
Assim como no Canadá de hoje, a exploração mineral simplesmente entrou em
ebulição.
De um lado o Governo, por meio do
DNPM, da CPRM, Radam e da Petrobras e do outro a Docegeo, as grandes
multinacionais como a Shell, INCO, De Beers, Anglo American e outras dezenas de
empresas mineradoras se digladiavam em busca de novas anomalias e novas
descobertas em todo o território nacional. O geólogo de exploração era uma
commodity rara e muito bem paga.
Foi quando o Brasil teve o seu
território coberto por imagens de Radar e por mapeamentos geológicos regionais
enquanto o Governo criava projetos pioneiros de geoquímica-geofísica e geologia
em cooperação com o países como o Canadá. Tempos áureos.
Os booms
exploratórios
Era a fase dos metais básicos. O
mundo precisava de cobre, chumbo, zinco e níquel para alimentar as suas
indústrias.
Até então já havíamos visto booms
similares mas que nunca haviam atingido de forma tão marcante o Brasil.
O interessante é que a exploração
mineral, na época, era feita somente pelas major companies. No após guerra a
exploração consistia de levantamentos geológicos seguidos de detalhamentos e
sondagens. Era um processo voltado para a descoberta dos grandes depósitos
aflorantes. A medida que o mercado mundial se tornava mais voraz e exigente e
que os corpos aflorantes escassearam, a exploração mineral começou a se
sofisticar. Afinal já não haviam tantos grandes depósitos a espera do martelo do
geólogo para serem descobertos. Foi quando iniciaram-se os programas de base os
grass roots. Estes programas contavam com a geoquímica de sedimentos de corrente
e com a geofísica aérea como ferramentas para melhor discriminar e detectar as
anomalias tão fundamentais.
Na época as grandes exploradoras
eram empresas como a Kennecott, a Anaconda e a Western Mining. A Kennecott havia
basicamente desenvolvido métodos geoquímicos exploratórios voltados para a
descoberta de porphyry coppers nos EUA, Canada e na Nova Guiné. Por outro lado
novas descobertas estavam sendo realizadas no Canadá, a partir da geofísica
aérea.
Os principais booms exploratórios
podem ser sintetizados conforme abaixo:
-
De 1950-60 a busca do urânio.
-
De 1960-77 busca por metais básicos.
-
De 1977-hoje a busca pelo ouro.
-
De 1990-hoje a busca pelos diamantes.
-
De 2003...retomada da exploração mineral para cobre, níquel, ouro, diamantes, zinco, ferro, alumínio, manganês.
A
tecnologia acima da geologia
Como vimos o Brasil foi
catapultado ao primeiro mundo da exploração mineral no início da década de 70. A
partir deste momento não existiram avanços tecnológicos ou métodos exploratórios
que não tenham sido usados exaustivamente no nosso País.
Nesta fase muitos começaram a
acreditar que era possível achar depósitos minerais sem a geologia básica.
Segundo esta ótica bastava um computador repleto de dados geoquímicos,
geofísicos, gráficos e de imagens de satélite para gerar todas os alvos e a
estratégia do programa. Foi quando o geólogo tinha que encaixar, de qualquer
forma, o seu projeto em um modelo pré-existente.
A situação foi levada a extremos e
os absurdos se repetiram de empresa a empresa. Os trabalhos publicados, quase
todos, mostram um geólogo de exploração preocupado em provar que o seu projeto
era do tipo A ou B. Se o projeto não se enquadrasse em um modelo existente de
interesse da empresa o projeto era, geralmente, bombardeado pelos experts de
plantão e descartado.
Esta tendência levou as grandes
empresas a perder centenas de milhões de dólares ao apostar as suas fichas na
tecnologia em descompasso com o homem. Os novos softwares geram literalmente
incontáveis novos alvos que se superpõem formando um oceano de anomalias que
tragam o orçamento, os recursos e, frequentemente, a criatividade dos seus
geólogos de exploração.
O tratamento de dados, hoje, faz a
equipe de exploração ter que lidar com camadas de geologia, geoquímica e de
geofísica superpostas a imagens de satélites tratadas e filtradas. A cada novo
parâmetro adicionado ou modificado nesta equação são várias as "anomalias" que
aparecem ou desaparecem. A situação é tão drástica que geralmente consegue
paralisar a grande maioria dos geólogos de exploração que acabam ficando reféns
dos gráficos e mapas coloridos.
São poucos aqueles que ainda
conseguem focalizar o mais importante: a geologia que está por trás das cores e
números.
Como a major é uma empresa
conservadora por definição é natural que este conservadorismo se reflita também
na chefia dos programas de exploração. O somatório final é, quase que
invariavelmente, o insucesso. Todos fazem exatamente o previsível que, quase
sempre, tem a concordância da maioria.
Ocorre que na exploração mineral a
maioria está quase sempre errada. A descoberta de um novo depósito
mineral está sempre relacionada a uma visão totalmente nova e revolucionária.
Descobrir outros depósitos similares qualquer empresa pode fazer. Afinal, depois
de Colombo, qualquer um pode colocar o "ovo de pé".
A história mostra que são poucas
as pessoas equipadas com essa capacidade de visão e abstração que é fundamental
ao sucesso de um programa exploratório.
Saber identificar os
exploracionistas deveria ser uma das principais funções da chefia.
A exploração mineral, por mais
fechada e hermética que possa ser, nunca consegue manter os seus segredos do
mercado. Um bom exemplo é o da tecnologia de exploração para kimberlitos férteis
a partir de minerais indicadores. Por anos a De Beers escondeu, até dos seus
geólogos locais, uma série de parâmetros exploratórios que acreditavam se
constituir em uma das grandes vantagens competitivas da empresa. Estes gráficos
e dados são guardados a sete chaves e utilizados somente pelos analistas do
core. Com o tempo outras empresas como a Rio Tinto também desenvolveram
programas exploratórios e metodologias próprias que, também, foram consideradas
segredos de estado e que pareciam a solução para qualquer programa
exploratório.
As junior companies
A história mostra que essas
"vantagens tecnológicas" nem sempre se refletem em dinheiro para os acionistas.
No caso do diamante estes métodos não impediram que as duas maiores exploradoras
de diamantes do mundo a De Beers e a Rio Tinto de gastassem bilhões de dólares
sem absolutamente nenhum sucesso palpável.
Quem mudou a história recente dos
diamantes não dispunha dessa tecnologia e nem de grandes equipes e
sofisticados computadores. O Chuck Fipke, trabalhando praticamente só, movido
pela sua inteligência, persistência e por um aguçado espírito exploratório
descobriu no Canadá os kimberlitos que hoje fazem a alegria dos investidores.
Após a descoberta de Fipke as majors tiveram que reinventar os seus programas e
"receitas de bolo", comprar aquilo que poderia ser comprado e começar uma nova
fase exploratória.
São homens como Fipke ( Lac de
Gras), Lowell ( Pierina) ou Bob Friedland (Turquoise Hill, Voisey's Bay) que
re-escreveram a história da exploração mineral.
Eles e as junior companies são
responsáveis por mais de 30% de todas as descobertas feitas a partir de 1975. O
fenômeno junior cresceu fomentado pelo boom das bolsas canadenses da década de
90. Somente em 1998 a fraude da BreX (6 bilhões de dólares) conseguiu por um fim
ao explosivo cenário causado pelas junior companies no mundo da exploração
mineral.
Depois da BreX o mercado ficou
mais exigente e os investidores se voltaram para a bolha de tecnologia, as
empresas .com .
As junior companies serviram para
mostrar ao mundo as enormes fraquezas das majors companies na exploração
mineral. A eficiência dos programas exploratórios das grandes empresas é
baixíssima e a história está aí para provar.
As principais histórias de sucesso
datam da década de 70 quando ainda se fazia exploração mineral com o "pé no chão
e a mão no martelo". Foi nesta época que as empresas como a CRA e a Western
Mining descobriram os principais depósitos australianos e que a
Terraservice/Docegeo descobriu a maioria dos depósitos e anomalias de
Carajás.
Nas décadas de 80 e 90 o mundo viu
as majors afundarem bilhões de dólares em programas exploratórios quase sempre
infrutíferos. De outro lado começaram a aparecer pequenas empresas com pequenos
orçamentos e grande sucesso. Algo estava errado. Como um Davi pode bater vários
Golias sistematicamente em várias batalhas tão distintas?
O exploracionista
A resposta óbvia está nas
características intrínsecas do gerenciamento de uma grande mineradora e de uma
pequena. A diferença está no homem e não no orçamento. Os programas de
exploração de sucesso sempre tem em comum um tipo de homem que está no timão:
o exploracionista. Ele é um visionário, com grande experiência e coragem,
que navega com muita facilidade nas várias áreas da geologia e que consegue como
ninguém traduzir as evidências, que outros tem dificuldade de ver ou entender,
em uma descoberta.
As grandes empresas se tornaram
grandes após uma fase exploratória de sucesso. Com o sucesso na exploração
vieram as minas e a necessidade de empregar profissionais com perfis muito
diferentes dos perfis de um exploracionista.
Os novos chefes são responsáveis
por grandes orçamentos e estão muito mais preocupados com cash-flows e retornos
sobre os ativos existentes do que na estória impalpável e improvável que um
geólogo de exploração possa estar contando. Estes dirigentes de grandes empresas
são, em sua imensa maioria, burocratas conservadores totalmente incompatíveis
com os riscos e a imponderabilidade da exploração mineral. De uma forma geral
eles entendem muito bem os mecanismos das aquisições, das fusões e joint
ventures e quase nada da exploração mineral. Naturalmente os novos chefes se
cercaram de clones que tentam imitá-los e às suas habilidades e conhecimentos em
detrimento de outras virtudes mais importantes mas agora desprezadas. Nas
grandes empresas os geólogos passaram então a saber tudo sobre cash-flows, rate
of returns, EVA e, cada vez menos sobre spinifex, gossans, ou outros parâmetros
fundamentais da arte exploratória. Os geólogos destas empresas podem falar sobre
Kuroko sem nunca ter estado no Japão, mas a maioria é incapaz de distinguir um
boxwork de pirrotita de um de calcopirita. O resultado dessa tendência foi o
insucesso de quase todos os programas exploratórios mundiais conduzidos
pelas grandes mineradoras. As excessões são poucas e quase desprezíveis quando
considerarmos os investimentos efetuados.
Impulsionados pela mesmice das
grandes empresas os verdadeiros exploracionistas começaram a criar asas e voar
por intermédio de sua própria empresa. Uma junior company.
Os resultados desta nova
estratégia não se fez esperar: a maioria das grandes descobertas da última
década foram feitas por junior companies e não pelas majors.
A competência das juniors e
incompetência das majors na exploração mineral é um assunto polêmico e gerador
de debates acirrados. No entanto o que parecia ser uma simples constatação
estatística passa a ter um suporte inesperado, das próprias major companies. As
grandes mineradoras , a cada dia que passa, começam a reconhecer as suas
limitações e passam a apoiar a exploração feita pelas pequenas empresas. Essa
mudança de estratégia coloca na devida perspectiva as áreas tão diferentes
quanto exploração mineral e mineração.
Desta forma a junior, mais
flexível e dinâmica, passa a ser financiada por uma grande empresa ou pelo
público ou ambos, acumulando tão somente as funções inerentes à exploração
mineral.
A fórmula é altamente interessante
para todos e empresas como a Rio Tinto, por exemplo, já investem milhões de
dólares nesta associação com pequenas exploradoras minerais (mais).
O novo boom
O ano de 2004 inicia com o
prenúncio de um novo boom exploratório. Este parece ser mais sólido que os
anteriores e está sendo causado pelo reaquecimento da economia mundial do pós 11
de setembro de 2001. Somente em 2003 a maior potência do planeta, os EUA,
cresceram mais de 7%. Por outro lado a China, a maior concentração humana do
planeta está, também, crescendo em ritmo alucinante.
Os chineses passaram os japoneses
e americanos e tornaram-se, em poucos meses, os maiores importadores mundiais de
ferro e cobre (mais).
Se o país continuar a crescer neste ritmo, em menos de dez anos, será uma das
maiores, se não a maior, economia do planeta passando os EUA como o mais
importante consumidor global.
Não há melhor motivo para aquecer
as turbinas da exploração mineral. As minas de metais básicos estão no limite
máximo de produção, tentando, sem êxito, suprir a voracidade do mercado. Como
nos últimos 20 anos a prospecção para cobre-chumbo-zinco-níquel e outros metais
básicos foi simplesmente reduzida a zero, substituída pela procura de ouro e de
diamantes, praticamente não existem novos depósitos minerais destas commodities
entrando em produção no futuro próximo.
As honrosas exceções ficam por
conta de Turquoise Hill na Mongólia, Phoenix em Nevada, Rosario no Chile e
Sossego em Carajás. estas minas não terão a capacidade de suprir a demanda
aquecida e a queda da produção das minas em exaustão.
No Brasil a situação é quase
confortável para a CVRD que deverá colocar em produção vários depósitos de cobre
e possivelmente ouro e níquel nos próximos anos.
Por incrível que pareça os nossos
depósitos de níquel laterítico (Onça, Puma) e todos os depósitos que a CVRD
poderá colocar em produção nos próximos anos (Sossego, Salobo, Cristalino,
Alemão, Vermelho, S.J. do Piauí) são descobertas direta ou indiretamente na
década de 70 pela Terraservice/Docegeo ou pela INCO.
Suportado pela China e pelo
crescimento da economia mundial o ano de 2004 se prenuncia como um forte divisor
de águas. Neste ano veremos as majors focarem no desenvolvimento e expansão de
projetos existentes e nas aquisições e fusões. As juniors deverão ter os seus
projetos financiados pelas bolsas canadenses e, cada vez mais, pelas majors.
O grande diferencial de 2004 não
será de caráter qualitativo, mas sim quantitativo. O que vai mudar em relação
aos anos anteriores será a velocidade e o ritmo de instalação de novos projetos
e dos novos negócios.
Vamos limpar os martelos e
arregaçar as mangas, que o novo boom está aí e não espera aos
retardatários!
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