A conversão de um amigo.
Os fatos narrados aqui são
verdadeiros. É possível que omita alguma coisa ou pinte com cores fortes outras
para ressaltar os acontecimentos. O protagonista foi reticente em me autorizar
a contar isso, portanto contarei o milagre, mas não revelarei o santo. Ele se
sente incomodado com alguns detalhes desta incrível aventura vivida há pouco
mais de dez anos atrás.
Quero pedir ao leitor que
leia com respeito, pois se trata de um drama humano, possível de acontecer com
qualquer um de nós.
O protagonista tem hoje 51
anos. É atleta maratonista e treina o Karate desde os vinte anos de idade.
Todavia carregava uma cruz: a epilepsia. Dez anos atrás era atleta de ponta nas
duas modalidades. Sua combatividade e competitividade ficaram abaladas naquele
ano. Seu pai morreu. Sua mulher anunciou o fim do casamento e a intenção de ir
viver com outro homem em um país europeu. A possibilidade de ser separada da
convivência da pequena e amada filha, assim repentinamente, lhe tirou o chão. A
caixa de correio cheia de avisos de dividas. Uma segunda união em vias de
fracasso já ao começo, ao mesmo tempo em que sua personalidade exigia algum
sucesso social, econômico e afetivo.
Uma noite levantou-se na
madrugada e foi a pé ate a rodoviária. Não levava bagagem, apenas uma garrafa
de vinho, um caixa de remédios, documentos e algum dinheiro. Comprou uma
passagem para o litoral de um estado vizinho. No ônibus, em plena viagem, sem
que ninguém notasse lançou pela janela seus documentos. O dinheiro colocou no
bolso do passageiro ao lado que dormia. Quando viu o mar, uma praia isolada e
desabitada pediu ao motorista que parasse e desceu. O caminho fez a pé.
Na areia sentou e ficou horas
a contemplar ate o inicio da noite. Abriu a caixa de remédios, tomou todas as
drágeas, abriu o vinho e tomou todo o vinho da garrafa. Tirou toda a roupa e
laçou peça por peça ao mar. Não queria ser identificado. Em seguida
vagarosamente se lançou à água e nadou em direção ao mar profundo. Atleta com
excepcional preparo físico, acredita, nadou horas sem saber para onde. Quando
cansou deixou-se boiar com a barriga voltada para baixo e o rosto enfiado na
água. E entregou sua alma a Deus. Lembra apenas das bolhas de ar saindo das
narinas correndo vagarosas pelo rosto em direção às orelhas. Acredita que
desmaiou, teve um ataque epiléptico, quem sabe, ou simplesmente dormiu. Não
lembra de mais nada.
Acordou com o movimento suave
de pequenas ondas o empurrando para a areia. Ainda estava escuro. Estava em
outro lugar. Suas mãos, pés, virilha e rosto estavam murchos e endurecidos como
uma uva passa. Estava totalmente nu. Sua cabeça confusa concluiu que havia
ocorrido um milagre, embora ao mesmo tempo achasse que sem orientação nas águas
escuras pudesse ter nada em círculo, ou em arco e assim voltado às margens de
uma praia qualquer. Por outro lado algo lhe dizia que quando perdeu a
consciência estava mesmo em alto mar. Estava maravilhado, fascinado pelo fato
de que não era fácil morrer embora fosse consciente de sua fragilidade humana.
Sabia que ao entregar sua alma a Deus havia se convertido. Ora, o que é
converter-se se não voltar-se para Deus e abandonar-se Nele assumindo as
conseqüências desse ato de fé. Sabia que havia acontecido algo. Em pé,
solitário, com muito frio, debaixo de fina garoa viu uma trilha e meteu-se por
ela. Em certa distancia havia uma pequena casa e roupas no varal. Tomou
“emprestado” uma calça e camiseta, vestiu-se, a calça ficou a três quartos da
perna e a camiseta não lhe cobria o umbigo. Eram roupas de mulher. Ele assustado
com as possíveis conseqüências do ato deixou o local, digamos com uma aparência
quase circense.
Voltou pela mesma trilha para
a praia e passou a percorrê-la. Encontrou um velho forno, que não é conhecido
de muitos, um forno de fazer carvão. Parece um iglu de barro, com uma cavidade
ao meio da abobada e uma portinhola ao nível do chão. Ali entrou para
aquecer-se, e ali dormiu sobre restos de carvão.
Ao meio dia, saiu da sua
confortável morada com um aspecto de filme de terror. Negro de carvão. Assim
passaram-se os dias. Duas semanas, comendo algumas pequenas frutas, umas folhas
saborosas, uns pedaços de peixe cru, e mexilhões colhidos nas encostas das
rochas e passou a sentir-se hígido, viril, entusiasmado com a vida, atento a
tudo e sentindo a força amorosa e generosa da vida. Na terceira semana não
conseguia deixar de pensar na filha. Compreendeu que era preciso muito pouco
para se viver, sobreviver e sentir-se feliz, vibrante. Naquele momento sentiu
não mais ser necessário beber, nem mesmo necessitaria de tomar os seus remédios
diários, e já faz dez anos que não tem mais problema algum com a epilepsia.
Desapegou-se de seus
problemas, de seus desejos e angustias, mas não se desapegava da filha. Desejou
voltar. Iniciou a caminhada a pé até a estrada mais próxima. Lá caminhou ate um
posto de gasolina. Ali encontrou um telefone. Ligou para a irmã, que muito
preocupada, por telefone, conseguiu junto a uma empresa de ônibus rodoviário,
que dessem uma parada naquele posto para apanhá-lo. Tudo certo embarcou, mas
fez a viagem sentado na escada de acesso ao ônibus, pois não estava nada
higienizado. Aceitou a situação com humildade e alegria.
Resultado: sua esposa o
deixou, mas passou a guarda da criança para ele. Mora em uma casa despojada,
limpa, simples, confortável. Usa bicicleta. Exerce uma profissão em que gosta
do que faz. É feliz com a filha. Sua caixa postal esta vazia de faturas e
avisos preocupantes. Mudou completamente seus hábitos alimentares. Não quer
mais saber daquele excesso de consumismo e tecnologias escravizantes. Contas,
contas, contas... Nunca mais.
Prepara-se e estuda para ser
um missionário aos 51 anos.
Wallace Requião de Mello e
Silva.
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