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segunda-feira, 16 de maio de 2016

Luz sobre a Idade Média IV




CAPÍTULO V

A REALEZA

Quanto mais estudamos a sociedade medieval, através dos textos
da época, mais ela surge como um organismo completo, semelhante,
repetindo a comparação cara a Jean de Salisbury, ao organismo
humano, possuindo uma cabeça, um coração e membros. Mais que
desigualdades fundiárias, as três «ordens», clero, nobreza e terceiro
estado 1, representam um sistema de repartição das forças, de «divisão
do trabalho». Era pelo menos assim que eram entendidas:

Labeur de clerc est de prier
Et justice de chevalier;
Pain leur trouvent les labouriers.
Cil paist, cil prie et cil défend.
Au champ, à la ville, au moustier,
S'entr' aident de leur métier
Ces trois par bel ordenement2.


Daqui resulta uma sociedade muito compósita e que pela sua
complexidade lembra efectivamente o corpo humano com a sua
quantidade de órgãos estreitamente dependentes uns dos outros e
concorrendo todos tanto para a existência como para o equilíbrio do
ser, de que todos beneficiam igualmente.

Esta complexidade de estrutura agrava-se com a extrema variedade
dos senhorios e das províncias; cada uma possui os seus carac


(1) Em Portugal não se usa este termo, mas sim o termo genérico
«Povo» (N. do R.)
(2) Poema de Miserere de Reclua de Molliens. Segue-se a tradução:
O trabalho do clero é rezar/E a justiça o do cavaleiro;/O pão encontram-
no os trabalhadores/Este alimenta, aquele ora e o outro defende./No
campo, na cidade, no mosteiroJEntreajudam-se no seu oficio/Estes três
em boa ordem.

RÉG1NE PERNOUD

teres, vigorosamente marcados. Cs provérbios do tempo sublinham
com complacência — e malícia — esta diversidade:

Les meilleurs jongleurs sont en Gascogne
Les plus courtois sont en Provence
Les plus apperís hommes en France
Les meilleurs archers en Anjou
Les plus «enquérants» en Normandie
Les meilleurs mangeurs de raves sont en Auvergne
Les plus «rogneux» en Limousin, etc, etc.3

Pequenas características locais, que se acusam de certo modo
de forma profunda nas diferenças que os nossos costumes apresentam
entre si.

Perante uma semelhante fragmentação, o papel do poder central
surgia como particularmente difícil. É evidente que não havia lugar,
na Idade Média, nem para um regime autoritário, nem para uma
monarquia absoluta. As características da realeza medieval adquirem
tanto mais interesse quanto cada uma delas trazia a solução de um
problema sobre a questão sempre espinhosa das relações do indivíduo
e do poder central.

O que é à primeira vista notável, é a quantidade de graus que
se interpõem entre um e outro. Longe de serem as duas únicas forças
em presença, o Estado e o indivíduo só comunicam através de uma
série de intermediários. O homem na Idade Média nunca é um ser
isolado; faz necessariamente parte de um grupo: domínio, uma qualquer
associação ou «universidade», que assegura a sua defesa man-
tendo-se na via certa- O artesão, o comerciante, são simultaneamente
vigiados e defendidos pelo mestre do seu ofício, que eles próprios
escolheram. O camponês está submetido a um senhor, o qual é vassalo
de um outro, e:te de um outro, e assim sucessivamente até ao rei.
Uma série de contactos pessoais desempenham assim o papel de
«tampões» entre o poder central e o «francês médio», que deste modo
nunca pode ser atingido por medidas gerais arbitrariamente aplicadas,
e também não tem nada a ver com poderes irresponsáveis ou anónimos,
como seria, por exemplo, uma lei, um trust ou um partido.

O domínio do poder central está de resto estritamente limitado

aos assuntos públicos. Nas questões de ordem familiar, tão importan


(3) Os melhores jograis vivem na Gasconha/Os mais corteses na
Provença/Os mais francos homens em França/Ou melhores archeiros
em Anjou/Os mais «perguntadores» na Normandia/OH melhore* comedores
de rábanos estão em Auvorgne/Os mais sarnentos em Limousin,
etc, etc
LUZ SOBRE A IDADE MÉDIA

tes para. a sociedade medieval, o Estado não tem o direito de intervir
e pode-se dizer de cada casa o que ainda hoje se diz da home de um
inglês, que é a «praça-forte» daqueles que aí vivem. Casamentos, testamentos,
educação, contratos pessoais são regidos pelo costume, corno
o ofício e todas as modalidades da vida pessoal. Ora o costume é ura
conjunto de observâncias, de tradições, de regulamentos provenientes
da natureza dos factos, não de uma vontade exterior; apresenta essa
garantia de não ter sido imposto pela força, mas de se ter desenvolvido
espontaneamente, de acordo com a evolução do povo — e essa
vantagem de ser indefinidamente maleável, de se adaptar a qualquer
facto novo, de absorver qualquer mudança. O respeito que se tem
por ele explica porquê, durante todo o Antigo Regime, 03 reis nunca
ordenaram sobre o direito privado. Mesmo no período posterior à
Idade Média, nunca legislaram senão sobre a forma dos actos da vida
privada, não sobre os próprios actos: por exemplo, sobre registo das
disposições testamentárias, mas nunca sobre o testamento; ordenaram
a escrituração dos costumes, mas de forma alguma tocaram no direito
costumeiro; o que decorre do seu domínio escapou-se-lhes sempre.

Feitas estas reservas, como se exerce a autoridade real? O teólogo
Henri de Gand vê na pessoa do rei um chefe de família, defensor
dos interesses de todos e de cada um. Tal parece ser bem a natureza
da monarquia medieval. O rei, colocado à cabeça da hierarquia feudal,
como o senhor à cabeça do domínio e o pai à cabeça da família, é
simultaneamente um administrador e um justiceiro. É o que simbolizam
os seus dois atributos: o ceptro e a mão da justiça.

Como administrador, tem em primeiro lugar ocasião de exercer

o seu poder directamente sobre o seu próprio domínio. Conhece, pois,
por experiência, os detalhes da «gerência» de um feudo e sabe o que
pode exigir dos seus vassalos, tendo nesse feudo os mesmos direitos
e os mesmos deveres que eles. O que foi, em diversas ocasiões, importante
para o conjunto do reino. Como um vassalo é tentado, mais ou
menos, a imitar o suserano, o poder real foi levado a dar aos barões
exemplos salutares. As reformas que introduzia no seu domínio, e
que não se reconhecia o direito de impor aos outro:, espalhavam-se
muitas vezes ao conjunto do país. Foi o caso da franquia geral dos
servos do domínio, no início do século xiv. Isto provocava uma
emulação benfazeja, da qual a própria realeza beneficiava por vezes.
Assim, os grandes vassalos tinham o direito de cunhar moeda, mas
o rei acabou por levar toda a França a preferir a sua às outras, velando
por que ela fosse sempre a mais sã e a mais justa—porque não se
deve abusar da lenda dos, reis falsos moedeiros, que não é justificada
senão para Filipe, o Brio, e para as épocas das grandes misérias públicas
da Guerra dos ( Viu Anos

RÉGIE PERNO

Sobre os domínios senhoriais, o rei não possui senão um poder
indirecto. Os barões que dependem imediatamente dele são pouco
numerosos, mas todos podem fazer apelo do seu suserano ao rei, e as
ordens que ele dá transmitem-se por uma série de intermediários em
todo o reino. O direito que ele exerce é, essencialmente, um direito
de controlo: velar por que tudo o que está prescrito pelo costume
seja normalmente executado, manter a «tranquilidade da ordem».
É a esse título que é o árbitro designado para apaziguar as querelas
entre vassalos. Sabemos a resposta de São Luís àqueles que lhe faziam
notar, segundo o Dit d'Amiens, que faria melhor deixar os barões
baterem-se entre si, e enfraquecerem-se a si próprios: «Se vissem que
os deixava guerrear, podiam acordar-se entre eles e dizer: 'O rei pela
sua malícia deixa-nos guerrear.' Se acontecesse que pelo ódio que me
teriam, viessem sobre mim, seria eu a perder — sem contar com o
ódio de Deus que conquistaria, o qual diz: 'Benditos sejam os apaziguadores'.
»

Esse poder poderia permanecer completamente platónico, já que,
durante a maior parte da Idade Média, o rei de França dispõe, com

o seu exíguo domínio, de recursos inferiores aos dos grandes vassalos.
Mas o prestígio que lhe confere a unção * e o elevado comportamento
moral da linhagem capetiana revelam-se singularmente eficazes contra
os senhores mais turbulentos. O exemplo do rei de Inglaterra declarando
que não pode fazer cerco no locai onde se encontra o seu suserano,
e o deste mesmo rei recorrendo à arbitragem real para regular
os seus próprios diferendos com os barões, provam-no suficientemente.
A autoridade real, até ao século XVI, fundou-se mais sobre a sua força
moral que sobre os seus efectivos militares.
Foi ela também que solidamente formou o renome dos reis
justiceiros. Os Regreis de la mort de saint Louis insistem sobre este
insistem sobre este ponto:

Je dis que Droit est mort, et Loyauté éteinte,
Quand le bon roi est mort, la créaíure sainte
Qui chacune et chacun faisait droit à sa plainte...
A qui se pourront mais les pauvres gens clamer
Quand le bon roi est mort qui les sut tant aimer? °


(4) É efectivamente a unção, feita na testa com o óleo da Santa
Ãmbula conservada em Reims, pelo arcebispo da cidade, que consagra
o pessoa real. Os primeiros Capetianos, para assegurarem a sua sucessão,
tomavam o cuidado de mandar ungir os filhos com eles vivos.
(5) Digo que o Direito morreu, e a Lealdade se extinguiu, /Quando
o bom rei morreu, a criatura santa/Que a todas e a todos fazia direito
à sua queixa .... / A quem poderão agora os pobres clamar / Quando o
bom rei morreu que tanto os soube amarf
LUZ SOBRE A IDADE MÉDIA

O «bom rei» insiste ele próprio, aliás muitas vezes, neste ponto
nos seus Ensinamentos ao seu filho: «Executa a justiça e a rectidão
e sê leal e inflexível para os teus súbditos, sem te virares para a
esquerda ou para a direita, mas sempre a direito; e apoia a querela
do pobre até que a verdade seja declarada.» Joinville conta em diversas
ocasiões como ele punha estes princípios em prática. Até aos confins
do reino faz-se sentir a justiça real: «[...] e no Reno encontrámos
um castelo a que chamam Roche de Glin, que o rei tinha mandado
abater porque Roger, o senhor do castelo, era tido como defraudador
dos peregrinos e dos mercadores.» Foi de direito que se popularizou
a imagem familiar do carvalho de Vincennes, debaixo do qual fazia
justiça. Os castigos que cabiam aos culpados podiam ir até à confiscação
dos seus bens: é uma noção bastante difícil de compreender nos
nossos dias, em que o dinheiro pago por uma propriedade nos dá
plenos poderes sobre ela, que não nos pode ser tirada senão por falta
de pagamento: para regular dívidas para com o fisco ou para com
particulares. Isto passava-se de igual modo na Roma antiga- Na
Idade Média, o domínio é inalienável: um senhor, mesmo crivado de
dívidas, conservá-lo-á durante a sua vida, mas, em contrapartida,
corre permanentemente o risco de vê-lo ser confiscado se se mostrar
indigno do seu cargo ou se infringir o seu juramento. Todo o poder
implica então uma responsabilidade. O próprio rei não está ao abrigo

desta regra. Henri de Gand, que define os seus poderes, reconhece
aos súbditos o direito de o depor se lhes der uma ordem contrária
à sua consciência; o papa pode desligá-los do seu juramento de fidelidade,
e não deixa de usar esta faculdade quando um rei comete
alguma exacção, mesmo na vida privada; foi o que sucedeu quando
a infeliz rainha Ingeburge, abandonada por Filipe Augusto, dirigiu
da prisão de Etampes o seu apelo a Roma. O princípio fundamental
é que, segundo a doutrina de São Tomás: «O povo não é feito para

o príncipe, mas o príncipe para o povo.»
Tem-se de resto, nessa época, uma ideia muito elevada dos
deveres de um soberano. Eustache Deschamps, que foi o cantor e o
espelho do seu tempo, enumera-os deste modo:

Premier il doit Dieu et VÊglise aimer;
Humble coeur ait, pitié, compassion;
Is bien commun doit sur tous préférer,
Sou pcuplr avoir en gr and dilection,

Etre xage et diligent,
Vérité ait, (ri doit être régent,



REGI NE PERNO U D

Leni de punir, aux bons non faire ennui
Et aux mauvais rendre droit jugement
Si quon voie toute bonté en lui... e

*

A personalidade dos reis capetianos estava singularmente bem
adaptada à concepção medieval de realeza; ao colocá-los no trono,
os seus contemporâneos tiveram toda a sorte, tanto eles corresponderam
ao que o povo podia esperar deles, dada a mentalidade
da época e as necessidades do país. São, antes de tudo, realistas.
Muito ligados ao seu domínio, não perdem nunca de vista os seus
interesses. Poderíamos mesmo criticar-lhes uma certa estreiteza de
concepções. Quando, dos últimos Carolíngios, se passa a Hugo, o
Grande, ou a Hugo Capeto, a diferença é tocante: os descendentes
de Carlos Magno, mesmo os mais decadentes, mantêm uma mentalidade
«imperial»; olham para Roma, para Aix-la-Chapelle; pensam
como «Europeus». Os Capetianos, esses, preocupam-se pouco com

o que se passa para lá dos limites do seu território; desconfiam do
Império como de uma perigosa ilusão; mais do que a Europa, vêem
a França. Sondados várias vezes pelo papado para cingir a coroa
imperial, recusarão sempre, e não é sem franzir o sobrolho que verão
os seus filhos tentar, como Carlos de Anjou, a sua sorte no estrangeiro.
As suas ambições são limitadas, mas práticas. Vende-se à cabeça
de um pequeno domínio, mas fortes com a unção real, procuraram,
com uma tenacidade imperturbável, fortalecer o seu domínio desenvolvendo
a sua autoridade moral. Mesmo as Cruzadas não lhes interessam
senão em segundo plano. A primeira, que abala toda a Europa,
não comove o rei de França; Filipe Augusto faz-se cruzado sem convicção
— lembrando-se sem dúvida de que o Oriente não tinha dado
sorte a seu pai, Luís VII, que aí tinha comprometido, com a felicidade
conjugal, a situação do reino; apanha a primeira ocasião para regressar,
julgando a sua presença em Artois ou Vermandois mais oportuna
que nas costas palestinianas- Será preciso um Saint Louis para abraçar
com fervor a Cruzada, mas é porque nele predomina a finalidade
religiosa, precisamente com exclusão de qualquer ambição terrestre.
A quimera imperial, a aventura italiana não passam de tentações

(6) Primeiro deve Deus e a Igreja amar; / Bom coração ter, piedade,
compaixão; / O bem comum deve sobre todos preferir, / O seu povo ter
em grande dilecção, / Ser sábio e diligente, / Seja a verdade, aquele que
for regente, / Lento a punir, aos bons não traga aborrecimento J E aos
maus faça correcto julgamento / Para que toda a bondade nele seja
vista ...
LUZ SOBRE A IDADE MÉDIA 67

em que os nossos Capetianos nem sequer se detêm. Os seus descendentes
terão sido sensatos ao romper com esta política do bom senso?
As desventuras de uni Carlos VIII, de um Luís XII, de um Francisco I
demonstraram suficientemente quanta sabedoria representava semelhante
moderação.

Em contrapartida, foi com um surpreendente espírito de continuidade
que os Capetianos se esforçaram por consolidar o seu domínio.
Uma geração após outra, vemo-los arredondar este precioso
território, adquirir aqui um condado, ali um castelo, batalhar intensamente
por uma fortaleza, reivindicar uma herança, se necessário
de espada na mão. Como avisados tácticos, sabiam todo o preço que
se deve dar a uma estrada, a uma lesta de ponte. A glória de um
Luís VI, foi ter assegurado a passagem entre Paris e Orleães; sabe
que para ele as torres de Montlhéry têm mais importância do que
teria uma coroa estrangeira. Ao mesmo tempo, intervêm por toda a
parte onde podem, nos limites do reino, não perdendo nenhuma ocasião
para lembrar a sua presença e o seu poder aos vassalos demasiado
seguros das suas forças; seja para chamar um senhor à razão
ou para abater soldados mercenários, como os ladrões de Berry, eles
estão sempre presentes. Fazer justiça é para eles a mais sã das políticas,
e sabem, se for caso disso, sacrificar o seu interesse imediato

por um bem superior. Lembremos a surpresa que suscitou, entre os
contemporâneos como entre os historiadores, o gesto de Luís IX
entregando ao rei de Inglaterra o Agenais, a Saintonge e uma parte
de Limousin, depois de lhe ter conquistado estas províncias. Acto de
«alta política» contudo, como o qualificou Auguste Longnon, e sobre

o qual o próprio rei se explicou: «Estou certo de que os antepassados
do rei de Inglaterra perderam por direito a conquista que detenho;
e a terra que lhe dou, não lha dou por estar dependente dele ou dos
seus herdeiros, mas para pôr amor entre os meus filhos e os seus,
que são primos germanos; e parece-me que o que lhe dou o emprego
bem, porque ele não era meu vassalo, se não entrasse em minha
homenagem.» O resultado foi realmente ter ganho a fidelidade do
seu mais temível vassalo — e a paz entre a França e a Inglaterra, por
um período de mais de cinquenta anos.
A par deste espírito metódico, é preciso mencionar a bonomia,
a amável familiaridade destes reis de França. Nada de menos autocrata,
alguém fez notar, que um monarca medieval7. Nas Crónicas,

(7) Citemos essa passagem muito pertinente de A. Hadengue, na sua
obra Bouvines, victoire creatice: «Os conselhos de guerra! Estão muito
em uso nos estados-maiores dos exércitos da Idade Média. Sem cessar
vêm à pena dos CRONISTAS as mesmas expressões: 'A l'avies prir fu li
consaus lors li roit pristt conseil... A donc il prist conseiV. No sé

RÉG1NE PERNOUD

nas narrativas, não se trata senão de assembleias, de deliberações, de
conselhos de guerra-O rei não faz nada sem ter a opinião do seu
conselho. E este conselho não é composto, como será Versalhes, por
dóceis cortesãos: são homens de armas, vassalos tão poderosos e as
vezes mais ricos que o próprio rei, monges, sábios, juristas; o rei
solicita os seus conselhos, discute com eles, e dá muita importância
a estes contactos: «Tomo conta para que tenhas na tua companhia»,
lê-se nos Enseignements de saint Louis [Ensinamentos de São Luís],
«homens honestos e leais, que não estejam cheios de cobiça, quer
sejam religiosos, quer sejam seculares, e fala muitas vezes com eles [...1
E se algum tem uma acção contra ti, não o julgues até que saibas
a verdade, porque assim o julgarão mais ousadamente os teus conselheiros
de acordo com a verdade, por ti ou contra ti.» Ele próprio
pratica o que ensina; é preciso ler minuciosamente, em Joinville,
a narrativa desse patético conselho de guerra realizado pelo rei na
Terra Santa, quando os começos difíceis da sua cruzada vêm pôr tudo

em questão e incitam a maior parte dos barões a querer regressar
a França. A forma como Luís IX faz saber a Joinville que lhe está
agradecido por ter tomado o partido contrário e por ter ousado exprimi-
lo, é toda ela marca dessa familiaridade, extremamente simpática,
dos reis para com os que os cercam:

«Enquanto o rei ouvia as suas graças, fui a uma janela de ferro
[...] e tinha os meus braços entre os ferros da janela, e pensava
que se o rei viesse para França, eu iria para o príncipe de Antíoco [...]
Neste ponto em que me encontrava então, o rei veio apoiar-se nos
meus ombros e pôs-me as duas mãos na cabeça. E eu julguei que
fosse o Sr. Philippe de Nemours, que me tinha causado demasiado
aborrecimento nesse dia pelo conselho que lhe tinha dado; e eu disse
assim: 'Deixe-me em paz, Sr. Philippe'. Por pouca sorte, ao voltar a

cabeça, a mão do rei caiu-me sobre o rosto; e percebi que era o rei,
por causa de uma esmeralda que tinha no dedo. E ele disse-me: 'Fique
tranquilo; porque quero perguntar-lhe como foi tão ousado que
sendo um jovem, ousou louvar a minha estada, contra todos os grandes
homens e os sábios de França, que louvavam a minha partida.'
'Senhor, disse eu, teria a maldade no meu coração, se não louvasse
por qualquer preço que o fizésseis.' 'Diga-me, disse ele, faria mal se

culo XIII, um chefe militar não comanda, não decide à maneira de um

general omnipotente. A sua autoridade é feita de colaboração, de confiança,
de amizade. Está em dificuldade? Senta-se ao pé de uma árvore,
chama os seus 'altos barões', expõe os factos, recolhe as opiniões. A sua
opinião pessoal não prevalece sempre 'Cada um diz a sua razão', como
escreve Philippe Mouskès (pp. 188-189).»

LUZ SOBRE A IDADE MÉDIA

partisse?' 'Se Deus me ajuda, senhor, disse eu, sim.' E ele disse-me:
'Se eu ficar, fica também?' E eu disse-lhe que sim [...] 'Esteja
tranquilo, porque lie tenho muita amizade por me ter louvado'.»

Esta bonomia, esta simplicidade de hábitos, são muilo características
da época. Enquanto o imperador e a maior parte dos grandes
vassalos se comprazem em manifestar o seu fausto, a linhagem capetiana
faz-se notar pela frugalidade do seu modo de vida. Os reis vão
e vêm no meio do povo. Luís VII adormece na orla de uma floresta,
e quando os familiares o despertam, faz-lhes observar que pode bem
dormir assim, sozinho e sem armas, já que ninguém lhe quer mal. Filipe
Augusto, algumas horas antes de Bouvines, senta-se ao pé de uma
árvore, e recupera as forças com um pouco de pão molhado no vinho.

S. Luís deixa-se insullar na rua por uma velha mulher e proíbe os
seus companheiros que a repreendam. São reservados para as festas
e recepções solenes gibões de veludo e capas de arminho — e ainda
assim é muitas vezes usado o cilício sob o arminho. É um motivo corrente
de gracejo, para os estudantes alemães habituados às magnificências
imperiais, a simplicidade do equipamento real. Esta simplicidade
não foi imitada pelos Valois, e menos ainda pelos seus
sucessores do Renascimento, mas se com isso ganharam uma corte
brilhante, perderam esse contacto familiar com o povo, elemento
precioso do prestígio de um príncipe.









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