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terça-feira, 10 de maio de 2016

Luz sobre a Idade Media (I)

PERNOUD

LUZ SOBRE
A IDADE MÉDIA


PUBLICAÇÕES EUROPA-AMERICA

http://saomiguel.webng.com/


ÍNDICE

Pág.

Introdução


9

Capítulo I —A organização social

 13

Capítulo II — O vínculo feudal

 27

Capítulo III —A vida rural

 37

Capítulo IV —A vida urbana

 47

Capítulo V —A realeza

 61

Capítulo VI —A s relações internacionais

 71

Capítulo VII —A Igreja

 81

CapítuIoVHI — O ensino

 95

Capítulo IX —As letras

 107

Capítulo X —A s artes

 143

Capítulo XI —A s ciências

 155

Capítulo XII —A vida quotidiana

 161

CapítuloXIII —A mentalidade medieval

 193

Pequeno dicionário da Idade Média tradicional

 201

Bibliografia

 207


INTRODUÇÃO

«Fazer livros é um trabalho sem fim», dizia o Eclesiastes, no
tempo em que a Bíblia se chamava Vulgata. É um pouco o sentimento
do autor considerando a presente obra quase a quarenta anos de
distância ... Trabalho sem fim.

Este tinha sido empreendido alguns anos após a minha saída da
École des Chartes, na fascinação de uma descoberta ainda completamente
nova. Para mim, com efeito, como para toda a gente, no
fim dos estudos secundários e de uma licenciatura clássica, a «Idade
Média» era uma época de «trevas». Muniam-nos, tanto em literatura
como em história, de um sólido arsenal de juízos prefabricados que
nos levavam pura e simplesmente a declarar ingénuos os auditores
de São Tomás de Aquino e bárbaros os construtores do Thoronet.
Nada nesses séculos obscuros que valesse a pena de alguém se deter
neles. Por isso não deixou de ser com um sentimento de resignação
que abordei uma escola destinada nas minhas intenções a abrir-me
uma carreira de bibliotecária.

E eis que se me abriu uma janela para um outro mundo. E que
após pouco mais de três anos de cursos —pontuados muitas vezes,
é preciso dizê-lo, por crises de sono irreprimível, quando se tratava,
por exemplo, de biblioteconomia ou de arquivística— «esses tempos
a que chamamos obscuros» me apareciam numa luz insuspeitável.
O mérito da escola era de nos colocar de repente em face dos próprios
materiais da história. Nenhuma «literatura», muito pouca importância
dada às opiniões emitidas por professores, mas uma exigência rigorosa
perante textos ou monumentos da época tomados no sentido mais
lato. Éramos levados, em suma, a ser técnicos da história, e isso era
mais fértil que as diversas filosofias da mesma história que tínhamos
tido ocasião de abordar anteriormente. No terceiro ano, sobretudo,
a arqueologia e mais ainda a história do direito, ensinada por esse
mestre que foi Roger Grand, faziam-nos penetrar numa sociedade
nas suas estruturas profundas como na sua expressão artística; revêlavam-
nos um passado aflorando ainda o presente, um mundo que
tinha visto apagar-se o lirismo, nascer a literatura romanesca e


RÉG1NE PERNOUD

erguerem-se Chartres e Reims; a identificar uma estátua após outra,
descobríamos personagens de uma grande humanidade; a folhear
cartas ou manuscritos tomávamos consciência de uma harmonia da
qual cada sinete, cada linha traçada, cada paginação pareciam deter

o segredo.
Tanto assim que, pouco a pouco, uma pergunta nascia, a qual,
em tempos demasiado difíceis para deixar lugar para a contestação,
mal ousávamos formular: por que razão nada nos tinha nunca deixado
pressentir tudo isso? Por que razão esses programas que nunca nos
faziam entrever senão um grande vazio entre o século de Augusto
e o Renascimento? Por que razão tínhamos de adoptar sem discussão
a opinião de um Boileau sobre os «séculos grosseiros» e acolher
apenas com um sorriso indulgente a dos românticos sobre a floresta
gótica?

A presente obra nasceu destas interrogações e de uma série de

outras semelhantes. E parece que hoje toda a gente as colocaria.

Mas nem é mesmo essa a questão. Como entretanto começaram a

viajar, os Franceses, como toda a gente, aprenderam a ver. Uma

cultura latente que faltava completamente na minha juventude, em

que a «Cultura» era ainda apanágio de uma sociedade muito restrita,

difundiu-se. E se não chegámos ainda ao ponto de viajar tanto como

os Anglo-Saxões, ou de ler tanto como os Irlandeses, o nível geral,

sobretudo de há vinte e cinco anos para cá, contrariamente a tantos

clamores pessimistas, parece-nos ter-se consideravelmente elevado.

Tanto assim, que um pouco por toda a parte começa-se a saber

discernir no nosso meio aquilo que merece ser admirado.

«Vai passar a sua vida a reescrever essa obra», tinha-me dito,
quando do seu aparecimento, Léon Gischia; e essa segurança, vinda
de um pintor que eu admirava profundamente, ele próprio muito
informado sobre as diversas formas de arte da nossa Idade Média, tinha


•me tocado. De facto, ele tinha razão. Todos os meus trabalhos iam
ser consagrados a estudar, aprofundar, esclarecer os caminhos aqui
abertos ou entrevistos, a tentar uma exploração mais completa, a
querer fazê-la partilhar também por um público muito pronto para
manifestar a sua curiosidade de espírito; isto sobretudo, notemo-lo,
fora dos meios tradicionalmente votados à cultura clássica e a ela só.
A propósito desta reedição, trinta e cinco anos exactamente após

o seu aparecimento, punha-se a questão de rejuvenescer ou não a
obra. Feita a reflexão, deixamo-la tal como foi escrita. Os leitores
estão hoje aptos a cobrir as suas eventuais lacunas, graças a colecções
como a de «Zodíaco» sobre a arte romana ou como os Cahiers de
LUZ SOBRE A IDADE MÉDIA

civilisation médiévale; ou ainda graças a esses estudos tão honestos,
tão trabalhados, de Reto Bezzola, de Pierre Riché, de Paul Zumthor,
de Léopold Génicot e de inúmeros eruditos americanos, Lynn White
e tantos outros.

Não deixaremos de notar aqui e além algumas aproximações.

Assim, reproduzi bastante inocentemente o que me ensinaram relativo

«ao esquecimento da escultura» até à época romana e gótica; os

pintores do nosso tempo corrigiram de certa maneira a nossa visão

e fizeram-nos compreender que os pintores de fescos romanos não

estavam à espera de um Matisse para obedecer às «leis da perspec


tiva». Ou são ainda erros de detalhe: Abelardo nunca ensinou em

Argenteuil; mas hoje já se sabe mais sobre ele.

Teríamos querido rectificar do mesmo modo, aqui e além, imprecisões,
detalhes que «fazem época», epítetos intempestivos, juízos
um pouco peremptórios: culpa da juventude; mas ao suprimi-los
correria o risco de suprimir também um certo fervilhar de entusiasmo
devido a essa mesma juventude. Podemos invocar para ela a indulgência
do leitor. Essa mesma indulgência que me manifestou, na
primeira vez que franqueei, muito intimidada, a porta das edições
Grassei, o querido Henry Poulaille, então director do serviço literário.
A despeito das suas imperfeições, esta obra pode apresentar
para outros uma iniciação um pouco comparável à que recebi na
velha casa do n.° 19 da Rue de la Sorbonne.

*

Seria encetar um outro capítulo — sem dúvida o mais importante —
dizer todo o reconhecimento que sinto para com todos os que inspiraram,
acolheram, encorajaram esta obra e me forneceram a sua
matéria ou a sua forma. Recuando no tempo, haveria em primeiro
lugar os que aconselharam ou quiseram esta reedição: Christian de
Bartillat, das edições Stock, ou Françoise Verny, das edições
Grassei. E além deles, tantos eruditos, mestres ou colegas. Apreciamos
melhor, «quand le jour baissc aux fenêtres et que se taisent
les chansortb-» ', o alcance do «qu'as-tu que tu ne 1'aies reçu?» 2

( 1 ) Quando o dia declina sob as Janelas e se calam as cançOes.
(N. do R. )
( 2 ) Que adquiriste tu que não tenhas recebido? (N. do R.)

]2 RÉGINE PERNOUD

Mas, em primeiro lugar e para além do mais, houve como ponto
de partida para esta obra, o conselho e a opimao do meu irmão
Georges (Se tudo o que nos contas sobre a Idade Média e exacto,
escreve-o- ninguém o sabe), e, por consequência, todas as outras
minhas obras terão sido inspiradas, guiadas, revistas postas em pratica
por aquele que, atento à obra dos outros a ponto de negligenciar por
isso a sua própria obra, conhece hoje a Luz para além de toda a luz.

2 de Fevereiro de 1981.

[...] esses tempos a quem chamam obscuros.

(Miguel de UNAMUNO)

CAPITULO I

A ORGANIZAÇÃO SOCIAL

Julgou-se durante muito tempo que bastava, para explicar a
sociedade medieval, recorrer à clássica divisão em três ordens: clero,
nobreza e terceiro estado. É a noção que dão ainda os manuais de
história: três categorias de indivíduos, bem definidas, tendo cada uma
as suas atribuições próprias e nitidamente separadas umas das outras.
Nada está mais afastado da realidade histórica. A divisão em três
classes pode aplicar-se ao Antigo Regime, aos séculos xvn e xvm,
onde, efectivamente, as diferentes camadas da sociedade formaram
ordens distintas, cujas prerrogativas e relações dão conta do mecanismo
da vida. No que concerne à Idade Média, semelhante divisão
é superficial: explica o agrupamento, a repartição e distribuição das
forças, mas nada revela sobre a sua origem, sobre a sua jurisdição,
sobre a estrutura profunda da sociedade. Tal como aparece nos
textos jurídicos, literários e outros, esta é bem uma hierarquia, comportando
uma ordem determinada, mas esta ordem é outra que não
a que se julgou, e à partida muito mais diversa. Nos actos notariais,
vê-se correntemente o senhor de um condado, o cura de uma paróquia
aparecerem como testemunhas em transacções entre vilão, c
corte 1 de um barão — quer dizer, o seu meio, os seus familiares comporta
tantos servos e frades como altas personagens. As atribuições
destas classes estão também estreitamente misturadas: a maior parte
dos bispos são igualmente senhores; ora muitos deles saem do povo
miúdo; um burguês que compra uma terra nobre torna-se, em certas
regiões, ele próprio nobre. Logo que abandonamos os manuais para
mergulhar nos textos, esta noção das «três classes da sociedade»
aparece-nos como fictícia e sumária.

Mais próxima da verdade, a divisão em privilegiados e não
privilegiados permanece, ela também, incompleta, porque houve, na
Idade Média, privilegiados da alta à mais baixa escala social. O mais
pequeno aprendiz é, a determinados níveis, um privilegiado, pois
participa dos privilégios do corpo de ofício; as isenções da Univer


( 1 ) Mesnada é o termo correspondente entre nós, mas de sentido
diferente, englobando uni companheirismo guerreiro. (N. do R.)

REG1NE PERNOUD

sidade aproveitam tanto aos estudantes e mesmo aos seus criados
como aos mestres e aos doutores. Alguns grupos de servos rurais gozam
de privilégios precisos que o seu senhor é obrigado a respeitar.
Não considerar, como privilégios, senão os da nobreza e do clero,
é conceder uma noção completamente errónea da ordem social.

Para compreender bem a sociedade medieval, é necessário estudar
a sua organização familiar. Aí se encontra a «chave» da Idade Média
e também a sua originalidade. Todas as relações, nessa época, se
estabelecem sobre a estrutura familiar: tanto as de senhor-vassalo
como as de mestre-aprendiz. A vida rural, a história do nosso solo,
não se explicam senão pelo regime das famílias que aí viveram.
Queria-se avaliar a importância de uma aldeia? Contava-se o número
de «fogos» e não o número de indivíduos que a compunham. Na legislação,
nos costumes, todas as disposições tomadas dizem respeito aos
bens de família, ao interesse da linhagem, ou, estendendo esta noção
familiar a um círculo mais importante, ao interesse do grupo, do
corpo de ofício, que não é senão uma vasta família fundada sobre

o mesmo modelo que a célula familiar propriamente dita. Os altos
barões são antes de tudo pais de família, agrupando à sua volta todos
os seres que, pelo seu nascimento, fazem parte do domínio patrimonial;
as suas lutas são querelas de família, nas quais toma parte toda essa
corte, a qual têm o cargo de defender e de administrar. A história
da feudalidade não é outra senão a das principais linhagens.
E que será, no fim de contas, a história do poder real do século x
ao século xiv? A de uma linhagem, que se estabelece graças à sua
fama de coragem, ao valor de que os seus antepassados tinham feito
prova: muito mais que um homem, é uma família que os barões
colocaram à sua cabeça; na pecsoa de Hugo Capeto viam o descendente
de Roberto, o Forte, que tinha defendido a região contra
os invasores normandos, de Hugo, o Grande, que tinha já usado a
coroa; facto que transparece no famoso discurso de Adalbéron de
Reims: «Tomai por chefe o duque dos Francos, glorioso pelas suas
acções, pela sua família e pelos seus homens, o duque em quem encontrareis
um tutor não só dos negócios públicos, mas dos vossos negócios
privados.» Esta linhagem manteve-se no trono por hereditariedade,
de pai para filhos, e viu os seus domínios crescerem por heranças
e por casamentos, muito mais que por conquistas: história que se
repete milhares de vezes na nossa terra, a diversos níveis, e que decidiu
uma vez por todas os destinos da França, fixando na sua terra
linhagens de camponeses e de artesãos, cuja persistência através dos
reveses dos tempos criou realmente a nossa nação. Na base da «energia
francesa» há a família, tal como a Idade Média a compreendeu
e conheceu.
LUZ SOBRE A IDADE MÉDIA

Não poderíamos apreender melhor a importância desta base
familiar que opondo, por exemplo, a sociedade medieval, comporta
de famílias, à sociedade antiga, composta de indivíduos. Nesta, o
homem, vir, detém a primazia em tudo; na vida pública ele é o civis,

o cidadão, que vota, que faz as leis e toma parte nos negócios de
Estado; na vida privada, é o pater famílias, o proprietário de um bem
que lhe pertence pessoalmente, do qual é o único responsável e sobre
o qual as suas atribuições são quase ilimitadas. Em parte alguma
se vê a sua família ou a sua linhagem participando na sua actividade.
A mulher e os filhos estão-lhe inteiramente submetidos e permanecem
em relação a ele em estado de menoridade perpétua; tem sobre eles,
como sobre os escravos ou sobre as propriedades, o jus utendi et
abutendi, o poder de usar e abusar. A família parece não existir senão
em estado latente; não vive senão pela personalidade do pai, simultaneamente
chefe militar e grande sacerdote; isto com todas as consequências
morais que daí decorrem, entre as quais é preciso colocar
o infanticídio legal. A criança é de resto na Antiguidade a grande
sacrificada: é um objecto cuja vida depende do juízo ou do capricho
paternal; está submetido a todas as eventualidades da troca ou da
adopção, e, quando o direito de vida lhe é acordado, permanece sob
a autoridade do pater famílias até à morte deste; mesmo então não
adquire de pleno direito a herança paterna, já que o pai pode dispor
à vontade dos seus bens por testamento; quando o Estado se ocupa
desta criança não é de todo para intervir a favor de um ser frágil,
mas para realizar a educação do futuro soldado e do futuro cidadão.
Nada subsiste desta concepção na nossa Idade Média. O que
importa então já não é o homem, mas a linhagem. Poderíamos estudar
a Antiguidade — e estudamo-la de facto — sob a forma de biografias
individuais: a história de Roma é a de Sila, de Pompeu, de Augusto;
a conquista dos Gauleses é a história de Júlio César. Abordar-se a
Idade Média? Uma mudança de método impõe-se: a história da unidade
francesa é a da linhagem capetiana; a conquista da Sicília é a
história dos descendentes de uma família normanda, demasiado numerosa
para o seu património. Para compreender bem a Idade Média,
é preciso vê-la na sua continuidade, no seu conjunto. É talvez por isso
que ela é muito menos conhecida e muito mais difícil de estudar que

o período antigo, porque é necessário apreendê-la na sua complexidade,
segui-la na continuidade do tempo, através dessas cortes que
são a sua trama; e não apenas as que deixaram um nome pelo brilho
dos seus feitos ou pela importância do seu domínio, mas também as
gentes mais humildes, das cidades e dos campos, que é preciso
conhecer na sua vida familiar se quisermos dar conta do que foi a
sociedade medieval.

RÉG1NE PERNO

O que, aliás, se explica: durante esse período de perturbações
e de decomposição total que foi a Alta Idade Média, a única fonte
de unidade, a única força que permaneceu viva, foi precisamente o
núcleo familiar, a partir do qual se constituiu pouco a pouco a unidade
francesa. A família e a sua base fundiária foram assim, devido
às circunstâncias, o ponto de partida da nossa nação.

Esta importância dada à família traduz-se por uma preponderância,
muito marcada na Idade Média, da vida privada sobre a vida
pública. Em Roma, um homem não tem valor senão enquanto exerce
os seus direitos de cidadão: enquanto vota, delibera e participa nos
negócios do Estado; as lutas da plebe para obter o direito de ser
representada por um tribuno são a este nível bastante significativas.
Na Idade Média, raramente se trata de negócios públicos: ou melhor,
estes tomam logo o aspecto de uma administração familiar; são contas
de domínio, regulamentos de rendeiros e de proprietários; mesmo
quando os burgueses, no momento da formação das comunas, reclamam
direitos políticos, é para poderem exercer livremente o seu ofício,
não serem mais incomodados pelas portagem e pelos direitos
de alfândega; a actividade política, em si, não apresenta interesse para
eles. De resto, a vida rural é então infinitamente mais activa que a
vida urbana, e, tanto numa como noutra, é a família, não o indivíduo,
quem prevalece como unidade social.

Tal como nos aparece no século X, a sociedade assim compreendida
apresenta como traço essencial a noção de solidariedade
familiar saída dos costumes bárbaros, germânicos ou nórdicos. A
família é considerada como um corpo, em todos os membros do qual
circula um mesmo sangue, ou como um mundo reduzido, desempenhando
cada ser o seu papel com a consciência de fazer parte de
um todo. A união não repousa, pois, como na antiguidade romana,
sobre a concepção estatista da autoridade do seu chefe, mas sobre
esse facto de ordem biológica e moral, ao mesmo tempo, de acordo
com o qual todos os indivíduos que compõem uma mesma família
estão unidos pela carne e pelo sangue, os seus interesses são solidários,
e nada é mais respeitável que a afeição que naturalmente os anima
uns para com os outros. Tem-se muito vivo o sentido desse carácter
comum dos seres de uma mesma família:

Les gentils fils des gertiils péres
Des gentils et des bonnes mères
lis ne font pas de pesants heires [hoirs, héritiers] 2

2 Os gentis filhos dos gentia pois/Dos gentis e dos boas mães/Não
se tornam herdeiros pesados.

LUZ SOBRE A IDADE MÉDIA

diz um autor do tempo. Aqueles que vivem debaixo de um mesmo

tecto, que cultivam o mesmo campo e que se aquecem no mesmo

fogo, ou, para empregar a linguagem do tempo, os que participam

do mesmo «pão e pote» 3, «que cortam a mesma côdea», sabem que

podem contar uns com os outros, que o apoio da sua corte não lhes

faltará. O espírito de grupo é, com efeito, mais potente aqui do que

poderia ser em qualquer outro agrupamento, já que se funda sobre

os laços inegáveis do parentesco pelo sangue e se apoia sobre uma

comunidade de interesses não menos visível e evidente. O autor de

quem foi citado o extracto precedente, Étienne de Fougères, protesta

no seu Livre des Manières [Livro das Maneiras] contra o nepotismo

dos bispos; todavia, reconhece que estes fariam bem em rodear-se

dos seus parentes «se estão de boas relaçõe.», pois, diz ele, nunca

podemos ter a certeza da fidelidade dos estranhos, enquanto os nos


sos, pelo menos, não nos faltarão.

Partilha-se, pois, as alegrias e os sofrimentos; recolhe-se em

casa os filhos daqueles que morreram ou estão em d;ficuldades,

e todas as pessoas de uma mesma casa se agitam para desagravar 4

a injúria feita a um dos seu~> membros. O direito de guerra privada,

reconhecido durante grande parte da Idade Média, não é senão a

expressão da solidariedade familiar. Correspondia, no seu iníc:o, a

uma necessidade: quando da fraqueza do poder central, o indivíduo

não podia contar com qualquer outra ajuda a não ser a da corte para

o defender, e durante toda a época das invasões ficaria entregue, sozinho,
a toda a e pécie de perigos e de misérias. Para viver era preciso
fazer frente, agrupar-se — e que grupo valeria alguma vez mais que
uma família resolutamente unida?
A solidariedade familiar, exprimindo-se se fosse preciso pelo
recurso às armas, resolvia então o difícil problema da segurança pessoal
e da do domínio. Em certas províncias, particularmente no Norte
da França, o habitat traduz este sentimento da solidariedade: o principal
compartimento da casa é a sala, a sala que preside, com a sua
vasta lareira, às reuniões de família, a sala onde se reúnem para comer,
para festejar nos casamentos e nos aniversário^ e para velar os mortos;
é o hall dos costumes anglo-saxões — porque a Inglaterra teve na
Idade Média costumes semelhantes aos nossos, aos quais permaneceu
fiel em muitos pontos.

A esta comunidade de bens e de afeição é necessário um administrador.
É naturalmente o pai de família que desempenha este papel.

³ Em português a expressão correspondente será «comer da mesma
gamela». (N. do R)
4 O desagravo é no Portugal medieval o direito de revindicta.

(N. do R.)

RÉGIE PERNO

IH

Mas a autoridade de que ele desfruta é antes a de um gerente em
lugar de ser a de um chefe, absoluta e pessoal como no direito romano:
gerente responsável, directamente interessado na prosperidade da casa,
mas que cumpre um dever mais do que exerce um direito. Proteger
os seres fracos, mulheres, crianças, servos, que vivem debaixo do seu
tecto, assegurar a gestão do património, tal é o seu cargo; mas não

o consideram o chefe definitivo da casa familiar, nem como o proprietário
do domínio. Embora desfrute dos seus bens patrimoniais, não
tem senão o seu usufruto; tal como os recebeu dos antepassados deve
transmiti-los àqueles cujo nascimento designará para lhe sucederem.
O verdadeiro proprietário é a família, não o indivíduo.
Do mesmo modo, embora possua toda a autoridade necessária
para as suas funções, está longe de ter, sobre a mulher e os filhos,
esse poder sem limites que lhe concedia o direito romano. A mulher
colabora na mainbournie, quer dizer, na administração da comunidade
e na educação dos filhos; ele gere os bens próprios porque o consideram
mais apto do que ela para os fazer prosperar, coisa que não
se consegue sem esforço e sem trabalho; mas quando, por uma razão
ou por outra, tem de se ausentar, a mulher retoma essa gestão sem o
mínimo obstáculo e sem autorização prévia. Guarda-se tão viva a
recordação da origem da sua fortuna que, no caso em que uma


mulher morra sem filhos, os seus bens próprios voltam integralmente
para a sua família; nenhum contrato pode opor-se a isto, as coisas
passam-se naturalmente assim.

Em relação aos filhos, o pai é o guardião, o protector e o mestre.
A sua autoridade paterna pára na maioridade, que adquirem muito
jovens: quase sempre aos catorze anos entre os plebeus; entre os
nobres, a idade evolui de catorze a vinte anos, porque têm de fornecer
para a defesa do feudo um serviço mais activo, que exige forças
e experiência. Os reis de França eram considerados maiores com catorze
ou quinze anos, e foi com esta idade, sabe-se, que Filipe Augusto
atacou à cabeça das suas tropas. Uma vez maior, o jovem continua
a gozar da protecção dos seus e da solidariedade familiar, mas,
diferentemente do que se passava em Roma e consequentemente nos
países de direito escrito, adquire plena liberdade de iniciativa e pode
afastar-se, fundar uma família, administrar os seus próprios bens

como entender. Logo que é capaz de agir por si mesmo, nada vem
entravar a sua actividade; torna-se senhor de si próprio, mantendo,
no entanto, o apoio da família de que saiu. É uma cena clássica dos
romances de cavalaria ver os filhos da casa, logo que estão em idade
de usar armas e de receber a investidura, deixar a residência paterna
para correr o mundo ou ir servir o seu suserano.

A noção de família assim compreendida repousa sobre uma base

LUZ SOBRE A IDADE MEDIA

material: é a herança de família — bem fundiário em geral, porque
a terra constitui, desde os começos da Idade Média, a única fonte
de riqueza e permanece consequentemente o bem estável por excelência.


Héritage ne peut mauvoir
Mais meubles est chose volage '

dizia-se então. Esta herança familiar, quer se trate de um
arrendamento servil ou de um domínio senhorial, permanece sempre
propriedade da linhagem. É impenhorável e inalienável; os reveses
acidentais da família não podem atingi-la. Ninguém lha pode tomar
e a família também não tem o direito de a vender ou traficar.

Quando o pai morre, esta herança de família passa para os herdeiros
directos. Se se trata de um feudo nobre, o filho mais velho
recebe quase a sua totalidade, porque é necessário um homem, e um
homem amadurecido pela experiência, para manter e defender um
domínio; é esta a razão do morgadio, que a maior parte dos costumes
consagra. Para os arrendamentos, o u~o varia com as províncias:
por vezes a herança é partilhada, mas em geral é o filho mais velho
quem sucede. Notemos que se trata da herança principal, do património
de família; as outras são, em tal circunstância, partilhadas pelos
filhos mais novos; mas é ao mais velho que cabe o «solar principal»,
com uma extensão de terra suficiente para viver, bem como a sua
família. É justo, de resto, porque quase sempre o filho mais velho
secundou o pai e é, depois dele, aquele que mais cooperou na manutenção
e na defesa do património. Em algumas províncias, tais como
em Hainaut, Artois, Picardie e em algumas parte da Bretanha, é. não

o mais velho, mas o mais novo o sucessor à herança principal, e uma
vez mais por uma razão de direito natural: porque, numa família,
os mais velhos são os primeiros a casar e vão então estabelecer-se
por sua conta, enquanto o mais novo fica mais tempo com os pais
e trata-os na sua velhice. Este direito do mais jovem ° testemunha a
elasticidade e a diversidade dos costumes, que se adaptam aos hábitos
familiares de acordo com as condições de existência.
De qualquer maneira, o que é notável no sistema de transmissão
de bens é que passam para um único herdeiro, sendo este designado
pelo sangue. «Não existe herdeiro por testamento», diz-se em direito
consuetudinário. Na transmissão do património de família, a vontade

5

 Uma herança não pode movimentar-se. / Mas os móveis são coisa
instável.

11

 Sem correspondência em Portugal, normalmente esta euce3São
do património passava para os filhos segundos. (N. do R.)


RÉGIE PERNO

do testamenteiro não intervém. Pela morte de um pai de família, o
seu sucessor natural entra de pleno direito em posse do património.
«O morto agarra o vivo», dizia-se ainda, nessa linguagem medieval,
que tinha o segredo das expressões surpreendentes. É a morte do
ascendente que confere ao sucessor o título de posse que o coloca de
facto na posse da terra; o homem de lei não tem, como nos nossos
dias, de passar por isso. Embora os costumes variem conforme o
lugar, fazendo aqui do mais velho, além do mais novo o herdeiro
natural, embora a maneira como sobrinhos e sobrinhas possam pretender
à sucessão, à falta de herdeiros directos, varie de acordo com
as províncias, pelo menos uma regra é constante: não se recebe uma
herança senão em virtude dos laços naturais que unem uma pessoa
a um defunto. Isto quando se trata de bens imóveis; os testamentos
nunca dizem respeito senão aos bens móveis ou a terras adquiridas
durante a vida e que não fazem parte dos bens de família. Quando

o herdeiro natural é indigno do seu cargo, notoriamente, ou se é,
por exemplo, pobre de espírito, são admitidas alterações; mas em
geral a vontade humana não intervém contra a ordem natural das
coisas. «Instituição de herdeiro não tem lugar», tal é o adágio dos
juristas de direito consuetudinário. É neste sentido que ainda hoje
se diz, falando das sucessões reais: «O rei morreu, viva o rei.» Não
há interrupção, nem vazio possível, uma vez que só a hereditariedade
designa o sucessor.
Por isso a gestão dos bens de família se encontra continuamente
assegurada. Não deixar o património enfraquecer, tal é realmente o fim
que visam todos os costumes. Por isso nunca havia senão um único
herdeiro, pelo menos para os feudos nobres. Temia-se a fragmentação,
que empobrece a terra, dividindo-a até ao infinito: o parcelamento
foi sempre fonte de discussões e de proces:os; prejudica o cultivador
e dificulta o progresso material — porque, para poder aproveitar
os melhoramentos que a ciência ou o trabalho põem ao alcance
do camponês, é necessário um empreendimento de certa importância,
que possa se necessário suportar fracassos parciais e em qualquer caso
fornecer recursos variados. O grande domínio, tal como existe no
regime feudal, permite uma sábia exploração da terra: pode-se deixar

periodicamente uma parte em pousio, o que lhe dá tempo para se
renovar, e variar as culturas, mantendo, de cada uma delas, uma
harmoniosa proporção. Por isso a vida rural foi extraordinariamente
activa durante a Idade Média e uma grande quantidade de culturas
foi introduzida em França durante essa época.

O que foi devido, em grande parte, às facilidades que o sistema
rural da época oferecia ao espírito de iniciativa da nossa raça. O
camponês de então não é nem um retardatário nem um rotineiro. A

LUZ SOBRE A IDADE MÉDIA

unidade e a estabilidade do domínio eram uma garantia tanto para

o futuro como para o presente, favorecendo a continuidade do esforço
familiar. Nos nossos dias, quando em presença se encontram vários
herdeiros, é preciso desmembrar o fundo e passar por toda a espécie
de negociações e de resgates para que um deles possa retomar a
empresa paterna 7. A exploração cessa com o indivíduo. Ora, o indivíduo
passa enquanto o património fica, e, na Idade Média, tendia-se
para residir. Se existe uma palavra significativa na terminologia medieval,
essa palavra é mansão .senhorial, o lugar onde se está, manere —
o ponto de ligação da linhagem, o tecto que abriga os seus membros,
passados e presentes, e que permite às gerações sucederem-se pacificamente.
Bem característico também, o emprego dessa unidade agrária que
se denomina manse — extensão de terra suficiente para que uma família
possa nela fixar-se e viver. Variava naturalmente com as regiões: um
cantinho de terra na gorda Normandia ou na rica Gasconha traz
mais ao cultivador que vastas extensões na Bretanha ou no Forez;
a manse tem pois uma extensão muito variável conforme o clima, as
qualidades do solo e as condições de existência. É uma medida empírica,
e, característica essencial, de base familiar, não individual: resume
por si só a característica mais saliente da sociedade medieval.

Assegurar à família uma base fixa, ligá-la ao solo de qualquer
forma, para que aí tome raízes, possa dar fruto e perpetuar-se, tal é
a finalidade dos nossos antepassados. Se se pode traficar com as
riquezas móveis e dispô-las por testamento, é porque por essência
são mutáveis e pouco estáveis; pelas razões inversas, os bens fundiários
K, propriedade familiar, são inalienáveis e impenhoráveis. O
homem não é senão o guardião temporário, o usufrutuário; o verdadeiro
proprietário é a linhagem.

Uma série de costumes medievais decorrem desta preocupação
de salvaguardar o património de família. Assim, em caso de falta
de herdeiro directo, os bens de origem paterna voltam para a família
do pai e os de origem materna para a da mãe — enquanto no direito
romano só se reconhecia o parentesco por via masculina. É aquilo
a que se chama o direito de retorno, que desempata conforme a sua
origem os bens de uma família extinta. Do mesmo modo, o asilo de
linhagem dá aos parentes mesmo afastados direito de preferência
quando por uma razão ou por outra um domínio é vendido. A maneira
como é regulada a tutela de uma criança que ficou órfã apre


(7) .Sabemos que disposições recentes vieram felizmente modificar
o redime das sucessões.
(8) Bens fundiários propriedades rústicas, ligadas à terra, à agricultura
Base da economia medieval. (N. do R.)

RÉGIE PERNO

senta também um tipo de legislação familiar. A tutela é exercida pelo
conjunto da família, e aquele cujo grau de parentesco designa para
administrar os bens torna-se naturalmente o tutor. O nosso conselho
de família não é senão um resto do costume medieval que regula o
arrendamento dos feudos e a guarda das crianças.

A Idade Média tem, aliás, tão viva a preocupação de respeitar

o curso natural das coisa?, de não criar prejuízos quando aos bens
familiares, que, no caso em que aqueles que detêm determinados bens
morram sem herdeiro, o seu domínio não pode voltar para os ascendentes;
procura-se os descendentes mesmo afastados, primos ou parentes,
tudo menos fazer voltar estes bens para os seus precedentes
possessores: «Bens próprios não voltam para trás.» Tudo pelo desejo
de seguir a ordem normal da vida, que se transmite do mais velho
para o mais novo, e não volta para trás: os rios não voltam à nascente,
do mesmo modo os elementos da vida devem alimentar aquilo
que representa a juventude, o futuro. De resto é mais uma garantia
para o património da linhagem este virar-se necessariamente para
seres jovens, portanto mais activos e capazes de o fazer valer mais

longamente.

Por vezes, a transmissão dos bens faz-se de uma forma muito
reveladora do sentimento familiar, que é a grande força da Idade
Média. A família (aqueles que vivem de um mesmo «pão e pote»)
constitui uma verdadeira personalidade moral e jurídica, possuindo
em comum os bens de que o pai é o administrador; pela sua morte,
a comunidade reconstitui-se com a orientação de um dos filhos-família,
designado pelo sangue, sem que tenha havido interrupção da posse
dos bens nem transmissão de qualquer espécie. É aquilo a que se
chama a comunidade silenciosa, de que faz parte qualquer membro
da casa de família que não tenha sido expressamente posto «fora do pão
e pote». O costume sub:istiu até ao fim do Antigo Regime e podem-se
citar famílias francesas que durante séculos nunca pagaram o mínimo
direito de sucessão. O jurista Dupin assinalava deste modo, em 1840,
a família Jault que não o pagava desde o século xiv.

Em todos os casos, mesmo fora da comunidade silenciosa, a família,
considerada no seu prolongamento através das gerações, permanece
o verdadeiro proprietário dos bens patrimoniais. O pai de
família que recebeu estes bens dos antepassados deve dar conta deles
aos seus descendentes; seja ele servo ou senhor, nunca é o dono
absoluto. Reconhece-se-lhe o direito de usar, não o de abusar, e
tem, além disso, dever de defender, de proteger e de melhorar a sorte
de todos aqueles, seres e coisas, de que foi constituído o guardião
natural.

LUZ SOBRE A IDADE MEDIA

*

E foi assim que se formou a França, obra destes milhares de
famílias, obstinadamente fixadas ao solo, no tempo e no espaço. Francos,
Borgonheses, Normandos, Visigodos, todos esses povos móveis,
cuja massa instável faz da Alta Idade Média um caos tão desconcertante,
formavam, desde o século X, uma nação, solidamente ligada
à sua terra, unida por laços mais seguros que todas as federações cuja
existência se proclamou. O esforço renovado dessas famílias microscópicas
deu origem a uma vasta família, um macrocosmo, cuja brilhante
administração, a linhagem capetiana simboliza à maravilha,
gloriosamente conduzindo de pai para filho, durante três séculos, os
destinos da França. É certamente um dos mais belos espectáculos
que a história pode oferecer, essa família sucedendo-se à nossa cabeça
em linha directa, sem interrupção, sem desfalecimento, durante mais
de trezentos anos — um tempo igual ao que se passou desde o aparecimento
do rei Henrique IV até à guerra de 1940...

Mas o que importa compreender é que a história dos Capetos
directos não é senão a história de uma família francesa entre milhões
de outras. Esta vitalidade, esta persistência na nossa terra, todos
os lares de França a possuíram, num grau mais ou menos equivalente,
excepção feita a acidentes ou acasos, inveitáveis na existência. A Idade
Média, saída da incerteza e do desacordo, da guerra e da invasão,
foi uma época de estabilidade, de permanência, no sentido etimológico
da palavra.

Facto que se deve às suas instituições familiares, tais como as
expõe o nosso direito consuetudinário. Nelas se conciliam com efeito

o máximo de independência individual e o máximo de segurança.
Cada indivíduo encontra em casa a ajuda material, e na solidariedade
familiar a protecção moral de que pode ter necessidade; ao mesmo
tempo, a partir do momento em que se pode ter necessidade; ao
mesmo tempo, a partir do momento em que se basta a si próprio, ele
é livre, livre de desenvolver a sua iniciativa, de «fazer a sua vida»;
nada entrava a expansão da sua personalidade. Mesmo os laços que
o ligam à casa paterna, ao seu passado, às suas tradições, não têm
nada de entrave; a vida recomeça inteira para ele, tal como, biologicamente
falando, ela recomeça inteira e nova para cada ser que vem
ao mundo — ou como a experiência pessoal, tesouro incomunicável
que cada um deve forjar para si próprio, e que só é válido desde
que do próprio.
É evidente que uma semelhante concepção da família basta para
fazer todo o dinamismo e também toda a solidez de uma nação. A
aventura de Robert Guiscard e dos irmãos, filho-segundos de uma


24 REG1NE PERNO

família normanda, excessivamente pobre e excessivamente numerosa,
que emigra, torna-o rei da Sicília e funda aí uma dinastia poderosa,
eis o próprio tipo da história medieval, toda feita de audácia, de
sentimento familiar e de fecundidade. O direito consuetudinário, que
fez a força do nosso país, opunha-se nisso directamente ao direito
romano, no qual a coesão da família não se deve senão à autoridade
do chefe, estando todos os membros submetidos a uma rigorosa disciplina
durante toda a vida: concepção militar, estatista, repousando
sobre uma ideologia de legistas e de funcionários, não sobre o direito
natural. Comparou-se a família nórdica a uma colmeia que se desloca
periodicamente e se multiplica renovando os terrenos de colheita e a
família romana a uma colmeia que não enxamearia nunca. Disse-se
também da família «medieval» que ela formava pioneiros e homens
de negócios, enquanto a família romana dá nascimento a militares,
administradores, funcionários9.

É curioso seguir, ao longo dos séculos, a história dos povos
formados nestas diferentes disciplinas e verificar os resultados a que
chegaram. A expansão romana tinha sido política e militar, e não
étnica; os Romanos conquistaram um império pelas armas e conservaram-
no por intermédio dos seus burocratas; este império só foi
sólido enquanto soldados e funcionários puderam vigiá-lo facilmente;
não parou de crescer a desproporção entre a extensão das fronteiras
e a centralização, que é o fim ideal e a consequência inevitável do
direito romano; ele desabaria por si próprio, pelas suas próprias instituições,
quando o ímpeto das invasões lhe veio dar o golpe de misericórdia.


Podemos, a este exemplo, opor o das raças anglo-saxónicas; os
seus costumes familiares foram idênticos aos nossos durante toda a
Idade Média, e, contrariamente ao que se passou entre nós, mantiveram-
nos; é isso sem dúvida que explica a sua prodigiosa expansão
através do mundo. Vagas de exploradores, de pioneiros, de comerciantes,
de aventureiros e de temerários deixando as suas casas a fim
de tentarem a sorte, sem por isso esquecerem a terra natal e as tradições
dos pais, eis o que funda um império.

Os países germânicos, que nos forneceram em grande parte os
costumes que a nossa Idade Média adoptou, cedo se impuseram

o direito romano. Os seus imperadores estavam em situação de retomar
as tradições do Império do Ocidente e julgavam que, para unificar
as vastas regiões que lhes estavam submetidas, o direito romano lhes
fornecia um excelente instrumento de centralização. Foi aí, portanto,
(9) Estas fórmulas vêm-nos de Roger Grand, professor na Êcole
des Chartes.
LUZ SOBRE A IDADE MÉDIA

desde muito cedo posto em prática e desde o fim do século xiv constituía
definitivamente a lei comum do Santo Império, enquanto em
França, por exemplo, a primeira cadeira de Direito Romano só foi
instituída na Universidade de Paris em 1679. Por isso a expansão
germânica foi mais militar que étnica.

A França foi sobretudo modelada pelo direito consuetudinário;
é certo que temos o hábito de designar o Sul do Loire e o vale do
Reno como «regiões de direito escrito», isto é de direito romano,
mas isso significa que os costumes destas províncias se inspiraram
na lei romana, não que o Código Justiniano tenha aí vigorado. Durante
toda a Idade Média, a França manteve intactos os seus costumes
familiares, as suas tradições domésticas. Somente a partir do século
XVI as nossas instituições, sob a influência dos legistas, evoluem num
sentido cada vez mais «latino». É uma transformação que se opera
lentamente e que se começa a notar em pequenas modificações: é
dada a maioridade aos vinte e cinco anos, como na Roma antiga,
onde, encontrando-se o filho em perpétua menoridade em relação ao
pai, não havia inconveniente em que fosse proclamada bastante tarde.
Ao casamento, considerado até então como um sacramento, como a
adesão de duas vontades livres para a realização do seu fim, vem
acrescentar-se a noção do contrato, do acordo puramente humano,
tendo como base estipulações materiais. A família francesa modela-se
sobre um tipo estatista que ainda não tinha conhecido, e, ao mesmo
tempo que o pai de família concentra rapidamente nas suas mãos
todo o poder familiar, o Estado encaminha-se para a monarquia
absoluta 10. A de peito das aparências, a Revolução foi não um ponto
de partida mas um ponto de chegada: o resultado de uma evolução
de dois a três séculos; ela representa o apagamento nos nossos costumes
da lei romana à custa do direito consuetudinário; Napoleão não
fez senão acabar a obra, instituindo o Código Civil e organizando o
exército, o ensino, toda a nação, sobre o ideal funcionarista da Roma
antiga.

Podemos, aliás, perguntar se o direito romano, quaisquer que
sejam os seus méritos, convinha às características da nossa raça, à
natureza da nossa terra. Esse conjunto de leis, forjadas com todos os
elementos por militares e por legistas, essa criação doutrinal, teórica,
rígida, poderia substituir sem inconvenientes os nossos costumes elaborados
pela experiência de gerações, lentamente moldados à medida

Ki Muito característica a este nível é a evolução do direito de propriedade,
que se torna rada vez mais absoluto e individual. Os últimos
traços de propriedade colectiva desapareceram no século XIX com a
abolição dos direitos comunais e de terras baldias.


RÉGIE PERNO

das nossas necessidades? — os nossos costumes que nunca foram mais
que os nossos próprios hábitos constatados e formulados juridicamente,
os usos de cada indivíduo ou, melhor ainda, do grupo de que cada um
fazia parte. O direito romano tinha sido concebido por um Estado
urbano, não por uma região rural. Falar da Antiguidade é evocar
Roma ou Bizâncio; para fazer reviver a França medieval é preciso
evocar não Paris, mas a Ilha de França, não Bordéus, mas a Guiana,
não Ruão, mas a Normandia; não podemos concebê-la senão nas suas
províncias de solo fecundo em belo trigo e em bom vinho. É um
facto significativo ver durante a Revolução aquele a quem se chamava

o manant (aquele que fica) tornar-se o cidadão: em «cidadão» há «cidade
». O que se compreende, já que a cidade iria deter o poder político,
portanto o poder principal, porque, tendo deixado de existir o costume,
tudo deveria a partir daí depender da lei. As novas divisões
administrativas de França, os departamentos que giram todos à volta
de uma cidade, sem ter em conta a qualidade do solo dos campos
que a ela se ligam, manifestam bem esta evolução de estado de espírito.
A vida familiar estava nessa época suficientemente enfraquecida para
que possam estabelecer-se instituições tais como o divórcio, a alienabilidade
do património ou as leis modernas sobre as sucessões. As
liberdades privadas de que antes se tinha sido tão cioso desapareciam
perante a concepção de um Estado centralizado à maneira romana.
Talvez devêssemos procurar aí a origem de problemas que depois se
puseram com tanta acuidade: problemas da infância, da educação,
da família, da natalidade — que não existiam na Idade Média, porque
a família era então uma realidade, porque possuía a base material
e moral e as liberdades necessárias à sua existência.
CAPÍTULO II

O VÍNCULO FEUDAL

Pode-se dizer da sociedade actual que está fundada sobre o
salariado. No plano económico, as relações de homem para homem
ligam-se às relações do capital e do trabalho: realizar um determinado
trabalho, receber em troca uma determinada soma, tal é o esquema
das relações sociais. O dinheiro é o seu nervo essencial, já que, salvo
raras excepções, uma actividade determinada se transforma primeiro
em numerário antes de mudar de novo para quaisquer dos objectos
necessários à vida.

Para compreender a Idade Média, temos de nos representar uma
sociedade que vive de um modo totalmente diferente, donde a noção
de trabalho assalariado e mesmo em parte a de dinheiro estão ausentes
ou são muito secundárias. O fundamento das relações de homem para
homem é a dupla noção de fidelidade, por um lado, e de protecção,
por outro. Assegura-se devoção a qualquer pes;oa e espera-se dela
em troca segurança. Compromete-se, não a actividade em função
de um trabalho preciso, de remuneração fixa, mas a própria pessoa,
ou melhor, a sua fé, e em troca requere-se subsistência e protecção,
em todos os sentidos da palavra. Tal é a essência do vínculo feudal.

Esta característica da sociedade medieval explica-se ao considerarmos
as circunstâncias que presidiram à sua formação. A origem encontra-
se nessa Europa caótica do século v ao século viu. O Império Romano
desmoronava-se sob o duplo efeito da decomposição interior e da
pressão das invasões. Tudo em Roma dependia da força do poder
central; a partir do momento em que esse poder foi ultrapassado, a
ruína era inevitável; nem a cisão em dois impérios nem os esforços
de recuperação provisória poderiam travá-la. Nada de sólido subsiste
nesse mundo em que as forças vivas foram pouco a pouco esgotadas
por um funcionalismo sufocante, onde o fisco oprime os pequenos
proprietários, que em breve não têm outro recurso senão ceder as
suas terras ao Estado para pagar os impostos, onde o povo abandona
os campos e apela voluntariamente, para o trabalho dos campos, a
esses mesmos bárbaros que dificilmente são contidos nas fronteiras;


28 REGI NE PERNO

é assim que, no Estado da Gália, os Borgonheses se instalam na
região Sabóia-Franco-Condado e se tornam os rendeiros dos proprietários
galo-romanos, cujo domicílio partilham. Sucessivamente, pacificamente
ou pela espada, as hordas germânicas ou nórdicas assomam
no mundo ocidental; Roma é tomada e retomada pelos Bárbaros,
os imperadores são eleitos e destituídos conforme o capricho dos
soldados, a Europa não é mais que um vasto campo de batalha onde
se enfrentam as armas, as raças e as religiões.

Como poderá alguém defender-se numa época em que a agitação
e a instabilidade são a única lei? O Estado está distante e impotente,
senão inexistente; cada um move-se por isso naturalmente em direcção
à única força que permaneceu realmente sólida e próxima: os grandes
proprietários fundiários, aqueles que podem assegurar a defesa do
seu domínio e dos seus rendeiros; fracos e pequenos recorrem a eles;
confiam-lhes a sua terra e a sua pessoa, com a condição de se verem
protegidos contra os excessos fiscais e as incursões estrangeiras. Por
um movimento que se tinha esboçado a partir do Baixo Império e não
tinha parado de se acentuar nos séculos VII e VIII, o poderio dos
grandes proprietários aumenta com a fraqueza do poder central. Cada
vez mais se procura a protecção do «senhor» (sénior), a única activa
e eficaz, que protegerá não só da guerra e da fome, mas também
da ingerência dos funcionários reais. Assim se multiplicam as cartas
de vassalagem, pelas quais a arraia-miúda se liga a um «senhor» para
assegurar a sua segurança pessoal. Os reis merovíngios tinham, aliás,

o hábito de se cercarem de uma corte de «fiéis» (fidèles), de homens
devotados à sua pessoa, guerreiros ou outros, o que levará os poderosos
da época a agruparem à sua volta, por imitação, os «vassalos»
(vassi), que julgaram bom recomendarem-se a eles. Enfim, estes reis,
eles próprio:, ajudaram muitas vezes à formação do poder dominial,
distribuindo terras aos seus funcionários — cada vez mais desprovidos
de autoridade face aos grandes proprietários — para retribuir os seus
serviços.
Quando os Carolíngios chegaram ao poder, a evolução estava
quase terminada: em toda a extensão do território, senhores, mais ou
menos poderosos, agrupando à sua volta os seus homens, os seus
fiéis, administravam os feudos, mais ou menos extensos; sob a pressão
dos acontecimentos, o poder central tinha dado lugar ao poder local,
que tinha absorvido, pacificamente, a pequena propriedade e permanecia,
afinal de contas, a única força organizada; a hierarquia medieval,
resultado dos factos económicos e sociais, tinha-se formado a
partir de si própria, e os seus u?os, nascidos sob a pressão das circunstâncias,
manter-se-iam pela tradição.

Não tentaram lutar contra o estado dos acontecimentos: a dinastia

LUZ SOBRE A IDADE MEDIA

de Pepino tinha de resto chegado ao poder porque os seus representantes
se contavam entre os mais fortes proprietários da época. Contentaram-
se em canalizar as forças em presença das quais faziam
parte e em aceitar a hierarquia feudal tirando dela o partido que
podiam tirar. Tal é a origem do estado social da Idade Média, cujas
características são completamente diferentes das que se conheceram
até aí: a autoridade, em lugar de estar concentrada num só ponto

— indivíduo ou organismo —, encontra-se repartida pelo conjunto
do território. Foi essa a grande sabedoria dos Carolíngios, não tentarem
ter nas mãos toda a máquina administrativa, mantendo a organização
empírica que tinham encontrado. A sua autoridade imediata
não se estendia senão a um pequeno número de personagens, que
possuíam elas próprias autoridade sobre outros, e assim de seguida
até às camadas sociais mais humildes; mas, degrau a degrau, uma
ordem do poder central podia assim transmitir-se ao conjunto do
país; aquilo que não controlavam directamente podia todavia ser
atingido indirectamente. Em lugar de combatê-la, pois, Carlos Magno
contentou-se em disciplinar a hierarquia que deveria impregnar tão
fortemente os hábitos franceses; reconhecendo a legitimidade do duplo
juramento que todo o homem livre devia a si próprio e ao seu senhor,
ele consagrou a existência do vínculo feudal. Tal é a origem da sociedade
medieval, e também a da nobreza, fundiária e não militar, como
se julgou demasiadas vezes.
Desta formação empírica, modelada pelos factos, pelas necessidades
sociais e económicasl, decorre uma extrema diversidade na
condição das pessoas e dos bens, já que a natureza dos compromissos
que uniam o proprietário ao seu rendeiro variava segundo as circunstâncias,
a natureza do solo e o modo de vida dos habitantes; toda a
espécie de factores entram em jogo, os quais diferem de uma província
para a outra, ou mesmo de um domínio para o outro, as relações
e a hierarquia; mas o que permanece estável é a obrigação recíproca:
fidelidade por um lado, protecção pelo outro — por outras palavras:

o vínculo feudal.
Durante a maior parte da Idade Média, a principal característica
deste vínculo é ser pessoal: um determinado vassalo, preciso e determinado,
recomenda-se a um determinado senhor, igualmente preciso
c determinado; decide vincular-se a ele, jura-lhe fidelidade e espera
cm troca subsistência material e protecção moral. Quando Roland
morre, evoca «Carlos, seu senhor que o alimentou», e esta simples
evocação diz bastante da natureza do vínculo que os une. Somente a

' Citemos a excelente fórmula de Henrl Pourrat: «O sistema feudal
foi a organização viva Imposta pela terra aos homens da terra» (L'homme
á Ia bêche Historie du paysan, p. 83).


RÉGIE PERNO

partir do século xiv o vínculo se tornará mais real que pessoal; ligar-se-á
à posse de uma propriedade e decorrerá das obrigações fundiárias que
existem entre o senhor e os seus vassalos, cujas relações se assemelharão
desde então muito mais às de um proprietário com os seus
locatários; é a condição da terra que fixa a condição da pessoa. Mas
para todo o período medieval propriamente dito, os vínculos criam-se
de indivíduo para indivíduo. Nichil est preter individuum, dizia-se,
«nada existe fora do indivíduo»: o gosto de tudo o que é pessoal e
preciso, o horror da abstracção e do anonimato são de resto características
da época.

Este vínculo pessoal que liga o vassalo ao suserano é proclamado
no decorrer de uma cerimónia em que se afirma o formalismo, caro
à Idade Média: porque qualquer obrigação, transacção, ou acordo
devem então traduzir-se por um gesto simbólico, forma visível e indispensável
do assentimento interior. Quando, por exemplo, se vende
um terreno, o que constitui o acto de venda é a entrega pelo vendedor
ao novo proprietário de um pouco de palha ou de um torrão de terra
proveniente do seu campo; se a seguir se faz uma escritura —o que
nem sempre tem lugar—, não servirá senão para memória: o acto
essencial é a íraditio, como nos nossos dias é o aperto de mão em
alguns mercados. «Entregar-lhe-ei», diz o Ménagier de Paris, «um
pouco de palha ou um velho prego ou uma pedra que me foram
entregues como sinal de um grande acontecimento» (quer dizer, como
sinal de uma transacção importante). A Idade Média é uma época
em que triunfa o rito, em que tudo o que se realiza na consciência
deve passar obrigatoriamente a acto; o que satisfaz uma neces-idade
profundamente humana: a do sinal corporal, à falta do qual a realidade
fica imperfeita, inacabada, fraca.

O vassalo presta «fidelidade e homenagem» ao seu senhor: fica

na sua frente, de joelhos, de cinturão desfeito, e coloca a mão na

dele. Gestos que significam o abandono, a confiança, a fidelidade.

Declara-se seu vassalo e confirma-lhe a dedicação da sua pessoa. Em

troca, e para selar o pacto que doravante os liga, o suserano beija

o vassalo na boca. Este gesto implica mais e melhor que uma protecção
geral: é um laço de afeição pessoal que deve reger as relações
entre os dois homens.
Segue-se a cerimónia do juramento, cuja importância não é de
mais sublinhar. É preciso entender juramento no seu sentido etimológico:
sacramentum, coisa sagrada. Jura-se sobre os Evangelhos,
realizando assim um acto sagrado, que compromete não só a honra,
mas a fé, a pessoa inteira. O valor do juramento é então tal, e o perjúrio
de tal forma monstruoso, que não se hesita em manter a palavra
dada em circunstâncias extremamente graves, por exemplo para teste-

LUZ SOBRE A IDADE MEDIA 31

munhar das últimas vontades de um moribundo, com o testemunho
de uma ou duas pessoas. Renegar um juramento representa na mentalidade
medieval a pior das desonras. Uma passagem de Joinville
manifesta de maneira muito significativa que é um exces_o por que
um cavaleiro não pode decidir-se, mesmo que a sua vida esteja em
jogo: quando do seu cativeiro, os drogomanos do sultão do Egipto
vêm oferecer-lhe a libertação, a ele e aos companheiros: «Daria, perguntaram,
para a sua libertação, algum dos castelos que pertencem
aos barões de além-mar? O conde respondeu que não tinha poder,
porque eles pertenciam ao imperador da Alemanha que então estava
vivo. Perguntaram se entregaríamos algum dos castelos do Templo
ou do Hospital para a nossa libertação. E o conde respondeu que não
podia ser: que quando aí se nomeava um castelão, faziam-no jurar
pelos santos que não entregaria castelo algum para libertação de corpo
de homem. E eles responderam-nos que lhes parecia que não tínhamos
talento para nos libertarmos e que se iriam embora e nos enviariam
aqueles que nos lançariam espadas, como tinham feito aos outros2.»

A cerimónia completa-se com a investidura solene do feudo, feita
pelo senhor ao vassalo: confirma-lhe a posse desse feudo por um
gesto de traditio, entregando-lhe geralmente uma vara ou um bastonete,
símbolo do poder que deve exercer no domínio que tem des e senhor:
é a investidura cum báculo vel virga, para empregar os termos jurídicos
em uso na época.

Deste cerimonial, das tradições que ele supõe, decorre a elevada
concepção que a Idade Média fazia da dignidade pessoal. Nenhuma
época esteve mais pronta para afastar as abstracções, os princípios,
para se entregar unicamente às convenções de homem para homem;
também nenhuma fez apelo a mais elevados sentimentos como base
dessas convenções. Era prestar uma magnífica homenagem à pessoa
humana. Conceber uma sociedade fundada sobre a fidelidade recíproca
era indubitavelmente audacioso; como se pode esperar, houve
abusos, faltas; as lutas dos reis contra os vassalos recalcitrantes são
a prova disso. Resta dizer que durante mais de cinco séculos a fé e
a honra permanecem a base essencial, a armadura das relações sociais.
Quando a estas se substituiu o princípio de autoridade, no século xvi
c sobretudo no século XVII, não se pode pretender que a sociedade
tenha ganho com isso; em qualquer dos casos, a nobreza, já enfraquecida
por outras razões, perdeu a sua força moral essencial.

Durante toda a Idade Média, sem esquecer a sua origem fundiária,
dominial, essa nobreza teve um modo de viver sobretudo militar; é
(|iie efectivamente o seu dever de protecção comportava em primeiro

(2) a isto é que os massacrariam, como aos outros.

32 REGI NE PERNO

lugar uma função guerreira: defender o seu domínio contra as possíveis
usurpações; de resto, embora se esforçassem por reduzi-lo, o
direito de guerra privada subsistia e a solidariedade familiar podia
implicar a obrigação de vingar pelas armas as injúrias feitas a um
dos seus. Uma questão de ordem material se lhe acrescentava: os
senhores, detendo a principal, senão a única fonte de riqueza, a terra,
eram os únicos a ter a possibilidade de equipar um cavalo de guerra
e de armar escudeiros e sargentos. O serviço militar será portanto
inseparável do serviço do feudo, e a fé prestada pelo vassalo nobre
supõe o contributo das suas armas sempre que «disso for mester».

É o primeiro cargo da nobreza, e um dos mais onerosos, essa
obrigação de defender o domínio e os seus habitantes.

L'épée dit: Cest ma justice3
Garder les deres de Saint Église*
Et ceux par qui viandes est quise 5.

As praças-fortes mais antigas, aquelas que foram construídas nas
épocas de perturbação e de invasões, mostram a marca visível dessa
necessidade: a aldeia, as casas dos servos e dos camponeses, estão
ligadas às encostas da fortaleza, onde toda a população irá refugiar-se
em altura de perigo e onde encontrará ajuda e abastecimento em caso
de cerco.

Das suas obrigações militares decorre a maior parte dos hábitos
da nobreza. O direito de morgadio vem em parte da necessidade de
confiar ao mais forte a herança que ele deve garantir, muitas vezes
pela espada. A lei de masculinidade explica-se também dessa forma:
só um homem pode assegurar a defesa de um torreão. Por isso também,
quando um feudo «cai em roca», quando uma mulher é a única
herdeira, o suserano, sobre o qual recai a responsabilidade desse
feudo que ficou assim em estado de inferioridade, sente-se no dever
de casá-la. É por isso que a mulher não sucederá senão após os
filhos mais novos, e estes após o mais velho; só receberão apanágios;
por isso os desastres que tiveram lugar no fim da Idade Média
tiveram como origem os apanágios excessivamente importantes deixados
por João, o Bom, aos filhos, cujo poder se tornou para eles
uma tentação perpétua, e para todos uma fonte de desordens, durante
a menoridade de Carlos VI.

(3) Ofício.
(4) Aqueles que se ocupam da alimentação, da vida material (os
camponeses). Poema de Carité, de Reclus de Molliens.
(5) A espada disse: é meu dever/Manter os clérigos da Santa Igreja/
e aqueles para quem os alimentos são obtidos.
LUZ SOBRE A IDADE MEDIA

Os nobres têm igualmente o dever de administrar a justiça aos
seus vassalos de qualquer condição e de administrar o feudo. Trata-se
do exercício de um dever, e não de um direito, que implica responsabilidades
muito pesadas, já que cada senhor deve dar conta do
seu domínio não só à sua linhagem, mas também ao seu suserano.
Étienne de Fougères descreve a vida do senhor de um grande domínio
como cheia de preocupações e de fadigas:

Cà et là va, souvent se tourne,
Ne repose ni ne séjorne:
Château abord, château aourne,
Souvent haitié, plus souvent mourne.
Cà et là va, pas ne repose
Que sa marche ne soit déclose 6.


Longe de ser ilimitado, como de uma maneira geral se julgou,

o seu poder é bem menor que, nos nossos dias, o de um chefe de
indústria ou um qualquer proprietário, já que nunca tem a propriedade
absoluta dos seus domínios, depende sempre de um suserano, e, no
fim de contas, os suseranos mais poderosos dependem do rei. Nos
nossos dias, de acordo com a concepção romana, o pagamento de
uma terra confere pleno direito sobre ela. Na Idade Média não é
assim: em caso de má administração, o senhor sofre penalizações
que podem ir até à confiscação dos seus bens. Deste modo, ninguém
governa com autoridade total nem escapa ao controlo directo daquele
de quem depende. Esta repartição da propriedade e da autoridade
é um dos traços mais característicos da sociedade medieval.
As obrigações que ligam o vassalo ao seu senhor implicam de
resto reciprocidade: «O senhor deve tanto fé e lealdade ao seu
homem como o homem ao seu senhor», diz Beaumanoir. Esta noção
de dever recíproco, de serviço mútuo, encontra-se muitas vezes tanto
nos textos literários como jurídicos:

Graigneur jait a sire à son homme
Que Vhomme à son seigneur et dome 7

observa Étienne de Fougères, já citado no seu Livre des Manières
[Livro das Maneiras]; e Philippe de Novare nota, a apoiar esta

(6) Anda de cá para lá e muitas vezes muda de direcção/Não repousa
nvm se detém:/Castelo dentro, castelo fora,/Muitas vezes alegre, mais
vezes trixte./Anda de cá para lá, não repousa/Senão quando o seu
caminho está aberto.
(7) O senhor deve mais reconhecimento ao seu vassalo, que ele próprio
devo deve ao senhor.

RÉGIE PERNOUD

constatação: «Aqueles que recebem serviço e nunca o recompensam
bebem o suor dos seus servos, que é veneno mortal para o corpo
e para a alma.» Donde também a máxima: «Para bem servir convém
bom ter.» (A Bien servir convient Eurs Avoir.)

Como é de justiça, exige-se da nobreza mais dignidade e rectidão
moral que dos outros membros da sociedade. Por uma mesma falta,
a pena infligida a um nobre será muito superior à que é destinada
a um plebeu. Beaumanoir cita um delito para o qual «pena de camponês
é de sessenta soldos e de nobre de sessenta libras» — o que
constitui uma desproporção muito grande: de 1 para 20. Segundo os
Etablissements de Saint-Louis, uma determinada falta pela qual
um homem ordinário, isto é, um plebeu, pagará cinquenta soldos de
pena, implicará para um nobre a confiscação de todos os seus bens
móveis. O que se encontra também nos estatutos de diferentes cidades;
os de Pamiere fixam do seguinte modo a tarifa das penas em
caso de roubo: vinte libras para o barão, dez para o cavaleiro, cem
soldos para o burguês, vinte soldos para o vilão.

A nobreza é hereditária, mas pode também ser adquirida, quer

por retribuição de serviços prestados, quer, muito simplesmente, pela

aquisição de um feudo nobre. Foi o que aconteceu em grande escala

no fim do século xin: numerosos foram os nobres mortos ou arrui


nados nas grandes expedições do Oriente, e vêem-se famílias de bur


gue:es que enriqueceram, atingir em massa a nobreza, o que provocou

no seu seio uma reacção. A cavalaria enobrece de igual modo aquele

a quem é conferida. Finalmente, houve, em sequência dos factos,

cartas de nobreza distribuídas, é certo, muito parcimoniosamente-9

Se a condição de nobreza pode adquirir-se, pode igualmente

perder-se, por prescrição, em consequência de uma condenação infa


mante.

A vergonha de uma hora do dia,

Apaga completamente a honra de quarenta anos,

dizia-se. Ela perde-se ainda por infracção quando um nobre é suposto
ter exercido um ofício plebeu ou um tráfego qualquer: é-lhe interdito
com efeito sair do papel que lhe é entregue, e não deve também pro


(8) Termo que corresponde a recompensa, com um sentido mais alargado:
felicidade, bem-estar.
(9) O Antigo Regime teve tendência para impedir cada vez mais
o acesso à nobreza, o que contribuiu para fazer dela uma casta fechada,
que isolava o rei dos seus súbdidtos. Em Inglaterra, as numerosas
nobilitações deram pelo contrário excelentes resultados, renovando a
aristrocracia com a ajuda de elementos novos1 fazendo dela uma classe
aberta e vigorosa.
LUZ SOBRE A IDADE MEDIA

curar enriquecer, assumindo cargos que o fariam negligenciar aqueles
aos quais a sua vida deve ser votada. Exceptua-se de resto dos ofícios
plebeus aqueles que, necessitando de recursos importantes, não poderiam
de todo ser realizados senão por nobres: por exemplo, a
vidraria ou a mestria de forjas; do mesmo modo o tráfego marítimo
é permitido aos nobres porque exige, para lá dos capitais, um espírito
de aventura que ninguém ousaria entravar. No século XVII,
Colbert alargará no mesmo sentido o campo de actividade económica
da nobreza, para dar mais impulso ao comércio e à indústria.

A nobreza é uma classe privilegiada. Os seus privilégios são
em primeiro lugar honoríficos: direitos de presidência, etc. Alguns
decorrem dos cargos que desempenha: assim, só o nobre tem direito
à espora, ao cinturão e à bandeira, o que lembra que na origem só
os nobres tinham o direito de equipar um cavalo de guerra. A par
disso, desfruta de certas isenções, as mesmas de que desfrutavam
primitivamente todos os homens livres; exemplo disto é a isenção
da talha 1(1 e de certos impostos indirectos, cuja importância, nula
na Idade Média, não parou de crescer no século xvi e sobretudo
no século XVII.

Finalmente, a nobreza possui direitos precisos, e esses substanciais:
encontram-se neste número todos os que decorrem do direito de
propriedade: direito de cobrar censos, direito de caça e outros. Os
censos e rendas pagos pelos camponeses não são outra coisa senão

o aluguer da terra onde tiveram permissão de se instalarem, ou que
os seus antepassados julgaram por bem abandonar a um proprietário
mais poderoso que eles próprios. Os nobres, ao cobrar os censos,
estavam exactamente na situação de um proprietário de imóveis
cobrando os seus alugueres. A origem longínqua deste direito de
propriedade apagou-se pouco a pouco e, na época da Revolução, o
camponês acabou por se tornar legítimo proprietário de uma terra
da qual era locatário desde há séculos. Aconteceu o mesmo a esse
famoso direito de caça, que se quis representar como um dos abusos
mais gritantes de uma época de terror e de tirania: que haverá mais
legítimo, para um homem que aluga um terreno a outro, que reservarse
o direito de caçar nele? " Proprietário e rendeiro sabem ambos
ao que se obrigam no momento em que acordam as suas obrigações
(10) imposto directo. Pago pelos camponeses em França até ao fim
do Antigo Regime, 1789. Em. Portugal corresponde este imposto à
«julgada». (N. da R.)
(11) Ainda assim 6 preciso estabelecer uma distinção entre as épocas:
o direito de caça .só foi reservado, e isto apenas para a caça grossa,
turdiamente',por volta do século XIV. As interdições formais só aparecem
no século XVI Quanto à pesca, permaneceu livre para todos.

RÉG1NE PERNOUD

recíprocas, é o essencial; o senhor não deixa de estar nas suas terras
quando caça perto da habitação de um camponês; que alguns de entre
eles tenham abusado desse direito e «e pisado com o casco dos
cavalos as ceifas douradas do camponês», para nos exprimirmos como
os manuais de ensino primário, é coisa possível ainda que inverificável,
mas concebe-se com dificuldade porquê o teriam feito sistematicamente,
já que uma boa parte das rendas consistia numa quota-parte
da colheita; o senhor estava portanto directamente interessado em
que esta colheita fosse abundante. A questão é a mesma para as
«banalidades»; o forno e o lagar senhorial estão na origem das comodidades
oferecidas ao camponês, em troca das quais é normal receber
uma retribuição — exactamente como hoje, em certas comunas
aluga-se ao camponês a máquina de debulhar ou outros instrumentos
agrícolas.

Está contudo fora de dúvida que pouco a pouco, por volta do
fim da Idade Média, os encargos da nobreza diminuíram sem que
por isso os privilégios tivessem sido reduzidos e que no século XVII,
por exemplo, era flagrante a desproporção entre os direitos — mesmo
legítimos— de que ela desfrutava e os deveres insignificantes que lhe
incumbiam. O grande mal foi os nobres se terem desligado das suas
terras e não terem sabido adaptar os seus privilégios às novas condições
de existência; desde o momento em que o serviço de um feudo,
nomeadamente a sua defesa, deixou de ser um encargo oneroso, os
privilégios da nobreza ficaram sem objecto. Foi isso que fez a decadência
da nossa aristocracia, decadência moral que seria seguida
de uma decadência material, bem merecida. A nobreza é directamente
responsável pelo mal-entendido, que irá aumentando, entre o povo
e a realeza; tornada inútil e muitas vezes prejudicial ao trono (foi
entre a nobreza, e graças a ela, que se espalhou a doutrina dos enciclopedistas,
a irreligião voltaireana e as divulgações de um Jean-
Jacques), ela contribuiu grandemente para conduzir Luís XVI ao
cadafalso e Carlos X ao exílio; é justo que ela os tenha seguido,
a um e a outro. Mas podemos pensar que ainda assim foi uma pesada
perda para o nosso país; um país sem aristocracia é um país sem
ossatura, como sem tradições, pronto para todas as vacilações e para
todos os erros.

CAPÍTULO IH

A VIDA RURAL

Na divisão um pouco sumária que muitas vezes foi feita da
sociedade medieval, só há lugar para os senhores e para os servos:
de um lado a tirania, o arbitrário e os abusos de poder, do outro
os miseráveis, sujeitos aos impostos e aos dias de trabalho gratuito1
à discrição; tal é a ideia que evocam— e não apenas nos manuais
de história para uso das escolas primárias— as palavras «nobreza»
e «terceiro estado». O simples bom senso basta no entanto para
dificilmente admitir que os descendentes dos terríveis Gauleses,
dos soldados romanos, dos guerreiros da Germânia e dos fogosos
Escandinavos se tenham reduzido durante séculos a uma vida de
animais encurralados. Mas há lendas tenazes; o desdém pelos «sé"
culos obscuros» data aliás de antes de Boileau.

Na realidade, o terceiro estado comporta uma série de condições
intermediárias entre a liberdade absoluta e a servidão. Nada de mais
diverso e de mais desconcertante que a sociedade medieval e as
propriedades rurais da época: a sua origem absolutamente empírica
dá conta dessa prodigiosa variedade na condição das pessoas e dos
bens. Para dar um exemplo, na Idade Média, ainda que o emparcelamento
do domínio represente a concepção geral do direito de
propriedade, existe no entanto aquilo que o nosso tempo já não conhece
de todo: a terra possuída em franca propriedade, o alódio (alleu)
ou alódio livre (franc-alleu) isento de todos os direitos e imposições
de qualquer espécie que seja; isto manteve-se até à Revolução, em
que, qualquer terra declarada livre, os alódios deixaram de facto
de existir, já que tudo foi submetido ao controlo e às imposições do
Estado. Notemos ainda que na Idade Média, quando um camponês se
instala numa terra e nela exerce a sua arte durante o tempo da
prescrição, ano o dia, isto é, o tempo de percorrer o ciclo completo

1

 Taillables e corvéables — o autor refere-se à sujeição dos campnncwH
a dois Impostos: a bilha e a corveia —trabalho gratuito—, que
entre nós, no período medieval, se designa por ANÚDUVA. (N. do R.)


RÉGIE PERNO

dos trabalhos dos campos, desde a lavragem até à colheita, sem ser
perturbado, é considerado o único proprietário dessa terra.2

Isto dá ideia do número infinito de modalidades que podemos
encontrars. Hóspedes, colonos, lhes, servos são termos que designam
condições pessoais diferentes. E a condição das terras apresenta uma
variedade ainda maior4: censo, renda, champart, fazenda, propriedade
en bordelage, en marche, en queuaise, à complan, en collonge;
conforme as épocas e as regiões, encontramos uma infinidade de
acepções diferentes na posse da terra com um único ponto comum:
é que, salvo o caso especial do alódio livre, há sempre vários proprietários,
ou pelo menos vários, a ter direito sobre um mesmo
domínio. Tudo depende do costume, e o costume adapta-se a todas
as variedades de terrenos, de climas e de tradições — o que de resto
é lógico, já que não se poderia exigir daqueles que vivem num solo
pobre as obrigações que podem ser impostas, por exemplo, aos camponeses
da Beócia ou da Touraine. De facto, eruditos e historiadores
tentam ainda analisar uma das matérias mais complexas que foi
oferecida à sua sagacidade: há abundância e diversidade de costumes;

há em cada uma delas uma infinidade de diferentes condições, desde
a do arroteador, que se instala numa terra nova e ao qual se pedirá
apenas uma fraca parte das colheitas, até ao cultivador estabelecido
numa terra em plena produção e sujeito aos censos e rendas anuais;
há os erros sempre possíveis provenientes das confusões de termos,
já que estes cobrem por vezes realidades completamente diferentes
conforme as regiões e as épocas; há finalmente o facto de a sociedade
medieval estar em perpétua evolução, e aquilo que é verdade no
século XII já não o é no século XIV.

O que se pode todavia saber com segurança, é que houve na
Idade Média, para lá da nobreza, um conjunto de homens livres
que prestavam aos seus senhores um juramento mais ou menos semelhante
ao dos vassalos nobres e um conjunto não menos grande de
indivíduos de condição um pouco imprecisa entre a liberdade e a

(2) Em Portugal, este tipo de camponeses livres chamavam-se «herdadores
» e «enfiteutas». (N. do RJ
» No Portugal medieval, e segundo Damião Peres, encontramos a
partir de uma hierarquia ascendentes: adscritos à gleba, colonos livres,
herdadores e enfiteutas. (N. do RJ

* Entre nos, as propriedades, segundo a sua posse, podem ser:
• Terras senhoriais — pertencentes às classes nobres.
• Reguengos — pertencentes ao rei.
• Herdades — dos homens livres, plebeus.
• Terras foreiras — de camponeses livres a quem pagaram
o foro ao seu senhor. (N. do R.)







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