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domingo, 22 de maio de 2016

Luz sobre a Idade Média X






CAPITULO XI

AS CIÊNCIAS

A ciência medieval apresenta-se-nos sob uma capa desconcertante,
tão desconcertante que tememos em a levar a sério. É que, ao contrário
das nossas ciências exactas, ela não é unicamente apanágio do
intelecto; o seu domínio permanece ligado ao da imaginação e da
poesia. Sempre havia sido assim, aliás, durante toda a Antiguidade.
A forma primeira da história foi a lenda e, até à época moderna, não
houve descoberta científica que não passasse, de um modo ou de
outro, para a tradição popular, sob a forma de poema, de rito
religioso, de segredo de ofício. Possuímos ainda hoje exemplos dessa
capa poética recobrindo noções científicas reais: é assim que alguns
povos de África conhecem, ao que nos dizem, a imunização contra
a varíola, e praticam-na no decurso de uma cerimónia que reveste

o aspecto de uma iniciação; àquilo a que nós chamamos «vacinar»,
chamam eles «expulsar o espírito maligno», ou outra coisa no género,
mas a operação não deixa de ser a mesma.
A ciência medieval conserva este carácter folclórico, o que
explica muitas das suas contradições. Aquando da Exposição dos
mais Belos Manuscritos Franceses, que teve lugar em 1937 na Biblioteca
Nacional, um bestiário do século XIII1 mostrava lado a lado
duas miniaturas, uma representando um elefante exactamente reproduzido,
correcto no desenho e nas proporções, a outra um dragão
de asas bem abertas: imagem surpreendente da ciência da natureza
na Idade Média. Não se trata de ignorância, mas sim de que, muito
simplesmente, imaginação e observação são postas no mesmo plano.
Temo-nos escandalizado longamente com o tecido de «absurdos»
oferecido por uma obra como o Imago mundi de Honorius d'Autun:
os Scinópodes só com uma perna, os Blemyes cuja boca se abre a
meio do ventre. Resta saber se o autor neles acreditava muito mais
do que nós, ou se, considerando a natureza como um vasto reser


(1) Artigo aparecido em Beaux-Arts, número de 2 de Dezembro de
1937.

REFINE PENOU

vatório de maravilhas, não terá voluntariamente dado rédea solta à
imaginação, convencido de ficar ainda bem aquém da verdade?
Quando se pensa na superabundância de fenómenos estranhos que
compõem o universo, um título como o de Image du Monde {Imagem
do Mundo] não autorizará todas as fantasias? Sabemos hoje
que existem pigmeus, negras de bandejas, mulheres-girafas cujo pescoço
possui uma vértebra suplementar. Nada disso é mais extraordinário
do que os «homens de orelhas grandes» esculpidos no tímpano
do pórtico de Vézelay. Sabemos que existem pássaros-moscas, borboletas
fosforescentes, flores carnívoras, sem falar desses seres inverosímeis,
aranhas gigantes, polvos fantásticos, que compõem a flora
e a fauna submarinas. Qual então o inconveniente de inventar o
licorne e o dragão?

Temos, além do mais, de contar com essa aptidão, bem medieval,
para procurar o sentido oculto das coisas, para ver na natureza «florestas
de símbolos». Para os nossos antepassados, a história natural
propriamente dita apenas apresentava um interesse muito secundário:
toda a manifestação de uma verdade espiritual, ao contrário, cativava-
os no mais alto grau; de tal modo que a sua visão do mundo
exterior não passa, as mais das vezes, de um simples suporte para
estear lições morais: assim acontece com esses bestiários em que,
ao descrever animais —tanto os mais familiares como os mais fantásticos—,
os autores vêem nos seus hábitos, reais ou supostos, a
imagem de uma realidade superior. O licorne, que só uma virgem
pode acorrentar, representa para eles o Filho de Deus encarnando
no seio da Virgem Maria; o galo canta para anunciar as horas;
o onocentauro, metade homem e metade asno, é o homem arrastado
pelos seus maus instintos; o nycticorax, que se alimenta de dejectos
e de trevas e que só voa às arrecuas, é o povo judeu virando as costas
à Igreja e atingido pela maldição; a fénix, ave única e de cor púrpura,
que morre numa fogueira e que ao terceiro dia ressuscita das cinzas,
é Cristo vencendo a morte. O conjunto, de uma poesia sombria, dá
exactamente a medida do que o homem da Idade Média gosta de
descobrir na natureza: não um sistema de leis e de princípios, cuja
classificação, provavelmente, o teria aborrecido, a supor que a tivesse
conhecido, mas um mundo fremente de beleza, profuso e secreto

— não tão diferente, afinal de contas, daquele que os nossos instrumentos
de laboratório detectam hoje- Certa ou erradamente, colocava
no mesmo plano a verdade histórica e a verdade moral — preferindo,
se necessário fora, esta àquela. Pense-se, por exemplo, na lenda, tão
popular na Idade Média, de São Jorge vencendo o dragão: a questão
de saber o que poderia ter sido exactamente esse dragão monstruoso
e qual o grau de autenticidade que lhe devia ser atribuído nem sequer
LUZ SOBRE A IDADE MÉDIA

aflora os espíritos; o que importa é a lição de coragem que es:-a luta
lendária deve inspirar ao cavaleiro cristão. Por um processo análogo,
os sermonários da época atribuem imensos pormenores miraculo os
aos santos que elogiam e atribuem indiferentemente a um ou a outro
este ou aquele milagre: São Dinis decapitado, segurando a cabeça
debaixo do braço, teria tido, a crê-los, numeroso:, «imitadores». Mas
nem o público nem o predicador se deixavam iludir, e seria uma
grande ingenuidade tomá-los à letra: o essencial, para eles, não era
a exactidão do pormenor, mas a verdade do conjunto e da lição
a tirar.

Quererá isto dizer que a Idade Média não teve curiosidade
científica? Um simples catálogo dos manuscritos contidos nas nossas
grandes bibliotecas bastaria para responder à questão: o inventário
completo dos tratados de medicina, de matemática, de astronomia,
de alquimia, de arquitectura, de geometria e outros não foi ainda
levado a cabo, e os seus textos permanecem, na maior parte, inéditos.
Os esforços tentados nesse sentido foram até aqui fragmentários e não
permitem uma visão de conjunto da ciência medieval. Mas o que se
sabe de preciso permite constatar que ela foi muito mais extensa
do que o que tem podido supor-se e que se aparentava à nossa em
muitos pontos. Um Roger Bacon, em pleno século XIII, conhecia a
pólvora de canhão, o uso das lentes convexas e côncavas. Alberto
Magno tinha feito, sobre a acústica e os tubos sonoro:, investigações
que o haviam conduzido a construir um autómato falante —
oitocentos anos antes de Edison. Arnaud de Villeneuve, que ensina
em Montpellier, descobre o álcool, o ácido sulfúrico, o ácido clorídrico,
o ácido azótico. Raimond Lulle pressentiu a química orgânica
e a função dos sais minerais nos seres organizados. Por intermédio
dos Árabes, a Idade Média beneficiou da ciência dos Persas, dos
Gregos, dos Judeus, e pôde realizar a sua síntese, assimilando os
conhecimentos astronómicos dos Sírio-Caldeus e a medicina hebraica.
Oxford, onde ensinava Robert Grossetête, o mestre de Roger Bacon,
era para 03 estudantes de matemática o mesmo que Montpellier para
os estudantes de medicina, e grandes personagens, como o rei de
Espanha Alfonso X, o imperador Frederico II, ou Roger, o rei nor


mando da Sicília, mantinham, a exemplo de Carlos Magno, uma corte
de sábios: geógrafos, físicos, alquimistas — do mesmo modo que
tinham os seus filósofos e os seus poetas.

Coisa curiosa, as investigações que apaixonaram a Idade Média,
e não suscitaram senão sorrisos desdenhosos, enquanto as ciêndas
modernas não ultrapassaram a linha traçada pelo. enciclopedistas
e pelos seus continuadores do século XIX, são das que as mais recentes
descoberta, põem de novo na ordem do dia. Que era ao certo a pedra


REFINE PENOU

filosofal, que Nicolas Flamel afirmava ter realizado? É assim definida:
unia matéria subtil «que se encontra em toda a parte», um «Sol
avermelhado», um «corpo subsistente por si, diferente de todos os
elementos e corpo- simples». Segundo Raimond Lulle, trata-se de um
«óleo oculto, penetrável, benfazejo e miscível a todos os corpos, que
aumentará o seu efeito sem medida comum, de maneira mais secreta
que qualquer outro no mundo». Transponham estes dados para a
linguagem científica moderna e tereis definido a radiactividade. Os
sábios da Idade Média entreviam, graças à sua intuição, aquilo que
os nossos realizam, graças ao método. Quanto à transmutação dos
corpos, que foi o maior sonho dos alquimistas, não entrou ela nos
factos, hoje em dia? Avicena fala de um «elixir que, projectado sobre
um corpo, transforma a matéria da sua natureza própria nortra maté-
ria» — nos laboratórios consegue-se, através de «bombardeamentos»
de electrões, fazer fósforo, por exemplo, a partir do alumínio, e nada
^e opõe a que se chegue, por meio de operações atómicas, a transformar
o vil chumbo em ouro puro. As máquinas expostas no Palais
de la Découverte, aquando da exposição de 1937, prestam justiça
ao génio dos investigadores do século XIII. De modo obscuro, é certo,
e marcada de erros que tornariam impossível a aplicação prática dos
seus achados, tinham contudo atingido um grau de ciência muito
superior ao das épocas que se lhe seguiram. O cientista do século XIX,
imbuído das ciências físicas, e naturais e das descobertas da química,
permaneceu indiferente face à crença medieval na unidade da matéria;

o do século XX, graças às descobertas da biologia e da electroquímica,
restabeleceu essa mesma crença, reconhecendo que todo o átomo se
compõe uniformemente de um protão em torno do qual gravitam os
electrões.
De igual modo, interessamo-nos hoje novamente pelo ocultismo
e a astrologia. Se não se trata de ciências exactas propriamente ditas,
parece cada vez mais necessário atribuir-lhes um certo valor — valor
humano, se não científico. Ninguém contesta a influência da Lua
sobre o movimento das marés, e os camponeses sabem que não se
deve engarrafar a cidra ou podar a vinha senão em épocas determinadas
pelas fases lunares. Será de todo impossível que outras influências,
mais subtis, sejam exercidas pelos astros? Porque um certo
charlatanismo pode facilmente explorar estas questões, tudo nelas
deverá necessariamente ser negócio de charlatães? O nosso século XX,
século de ciências ocultas, dará talvez razão, neste ponto como em
tantos outros, aos sábios da Idade Média.

Num outro domínio, o da exploração e dos conhecimento;; geográficos,
a actividade não foi menor. Fazer remontar a época das
grandes viagens ao Renascimento é, mais do que um;i injustiça, um

LUZ SOBRE A IDADE MEDIA

erro. A descoberta da América fez esquecer que a curiosidade dos
geógrafos e exploradores da Idade Média não havia sido menor em
direcção ao Oriente do que a dos seus sucessores em direcção ao
Ocidente. Desde os primórdios do século XII que Benjamim de Toledo
tinha ido até às índia; cerca de cem anos mais tarde, Odéric de
Pordenone atingia o Tibete. As viagens de Marco Polo, bem como
outras, menos conhecidas, de Jean du Plan-Carpin, de Guillaume
de Rubruquis, de André de Longjumeau, de Jean de Béthencourt,
bastam para dar ideia da actividade desenvolvida nesta época para
a descoberta da Terra. A Ásia e a África eram então infinitamente
mais bem conhecidas do que o foram a seguir. São Luís estabeleceu
relações com o cã dos mongóis, tal como com o Velho da Montanha,

o lerrívei senhor da seita dos Assassinos. Desde a data de 1329 que
era estabelecido em Colombo, no sul da índia, um bispado, que
recebeu por titular o dominicano Jourdain Cathala de Séverac. As
Cruzadas haviam sido, para o mundo ocidental, oca ião de estabelecer
e de manter contacto com o Próximo Oriente, mas, na realidade, as
relações nunca haviam cessado completamente, alimentadas como eram
pelos peregrinos e pelos mercadores. Em direcção a África, as explorações
estenderam-se até à Abissínia e às margens do Níger, que
foi alcançado no princípio do século xv por um burguês de Toulouse,
Anselmo Ysalguier. Poder-se-á, aliás, ter a certeza de que a América
não tenha sido, se não «descoberta», pelo menos visitada, já desde
e;sa época? Um facto é certo, é que os Viquingues tinham atravessado
o Atlântico Norte e estabelecido relações regulares com a Gronelândia.
Aí se estabeleceram Islandeses; aí se instituiu um bispado e, em 1327,
os Gronelandeses respondiam ao apelo à cruzada do papa João XXII,
endereçando-lhe, como participação nas despesas, um carregamento
de peles de focas e de dentes de morsas. Não é impossível que tenham,
a partir de:sa época, explorado uma parte do Canadá e remontado
o São Lourenço, onde Jacques Cartier haveria de descobrir com
estupor, alguns séculos mais tarde, que os índios faziam o sinal da
cruz e declaravam que o tinham aprendido dos seus antepassados.
Nada disto é, aliás, tão espantoso se considerarmos que a Idade
Média se encontrava, por intermédio dos Árabes, em relações pelo
menos indirectas com a índia e a China e beneficiava igualmente
dos seus conhecimentos astronómicos e geográficos. Um planisfério
datado de 1413, traçado por Mecia de Viladeste e conservado na
Biblioteca Nacional, dá a nomenclatura e a situação exacta das
estradas e dos oásis sarianos, em toda a extensão do deserto e até
Tombuctu. Nesse imenso espaço que, até meado do século XIX,
iria permanecer em branco nos nossos mapas, um viajante da Idade
Média podia preparar com precisão o seu itinerário e, do Atlas ao


RÉG1NE PENOU

Níger, saber quais iriam ser as etapas do seu percurso. Os desastres
da Guerra dos Cem Anos, o Cisma do Oriente e, mais tarde, a
ruptura com o Islão e as invasões turcas, outras tantas causas que
actuaram directamente sobre as relações da Europa com o Oriente e,
por ricochete, sobre as ciências geográficas. É preciso acrescentar que,
ao contrário do que se crê, os sábios do Renascimento manifestam
um espírito retrógrado em relação aos seus antecessores, ao transferirem
a base dos seus estudos para as obras da Antiguidade2. Aristóteles
e Ptolomeu tinham sido largamente ultrapassados neste domínio,
e privar-se das lições da experiência para regressar às suas teorias
era privar-se de todo um conjunto de aquisições pouco a pouco

reconquistadas pela época moderna, prestando justiça, ainda neste
ponto, à ciência medieval.

 Cf. a este respeito o artigo, muito pertinente e muito documentado.
do R. P. Lecler, intitulado «La Géographie des humanistes», no
primeiro número da revista Construire (1940).






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